O filme do grego Vasilis Katsoupis propõe uma experiência anticatártica e coloca Williem Dafoe como objeto de uma instalação artística envolvente e desafiadora
Por Reinaldo Glioche
Para haver criação, é preciso haver destruição. O vaticínio poderia ser bíblico, poderia ser artístico e esgueirando-se entre esses dois universos tão distintos, mas intrínsecos, está presente na inquietante obra de Vasilis Katsoupis. Todo filme nasce de uma ideia, de um lampejo, mas e se essa ideia fosse confinar Willem Dafoe em uma cobertura de luxo e vê-lo padecer emocionalmente e ruir física e psicologicamente? Pelo bem da arte, claro.
É, a grosso modo, a proposta de “Inside”, cuja sinopse é apenas um pretexto para uma experiência muito mais intensa, inclassificável e complexa que Katsoupis arreda. Nemo (Dafoe) é um ladrão de obras de arte que se dá mal quando vai roubar uma cobertura em Nova York repleta de raridades. Munida de dispositivos antifurto, a casa se transforma em uma gaiola, ainda que uma gaiola dourada, e Nemo fica lá, inacessível com toda aquela arte. À espera de uma ajuda que nunca chega.
Katsoupis está menos interessado nos arranjos de gênero do que na escala exasperante de se ver enjaulado em tanta beleza, com tanto valor sem significado. O filme é, portanto, uma instalação que discute a propriedade da arte – e o senso estético aqui é apuradíssimo – em circunstância, ambiente, ritmo, covalência.
A cena de Dafoe dançando “Macarena” em frente a uma geladeira (é a geladeira a responsável pela seleção musical) enquanto chora é desde já antológica. O definhamento de corpo e espírito do personagem é medido por essa inusitada repetição que se dá à medida que vai ficando evidente que aquele imponente espetáculo arquitetônico e de design será sua tumba.
Pilhas de cocô em uma piscina dourada e objetos empilhados até o teto são apenas duas das muitas intervenções artísticas, empiricamente destrutivas, que o personagem impõe ao ambiente enquanto tenta sobreviver a esse martírio existencial.
A arte drena tanto quanto a clausura? Quais os efeitos de uma sobre a outra? São questões que Katsoupis enseja e dá a Dafoe a margem necessária para rabiscar, moer, fruir. “Inside” é, portanto, um filme-performance. A narrativa importa de menos e a experiência transmitida de mais.