Filme nigeriano mostra potência cinematográfica do país em história sobre a cultura e os perigos de região tradicional de Lagos
Por Gabriela Mendonça
Quem não está familiarizado com o termo “Nollywood”, é melhor se inteirar, pois se depender da produção cinematográfica nigeriana, muitos filmes saídos do país africano vão rodar o mundo, assim como “Gangues de Lagos”.
Ao contrário de Hollywood, no entanto, a indústria cinematográfica da Nigéria tem muito mais interesse em mostrar o país, sua cultura e seus povos, em narrativas que destacam as singularidades de cada região, como o bairro de Isale Eko, em Lagos, uma das áreas mais antigas da cidade, que serve de cenário para o filme, a primeira produção africana do Prime Video, que estreou na plataforma em abril.
Na ilha de Isale Eko, cercada por lagos, predomina a cultura Iorubá, e se celebra o tradicional Festival Eyo, onde pessoas vestidas com máscaras saem pelas ruas em procissão. De acordo com a crença, é na celebração em que os guardiões da estrada dos homens acompanham as almas dos antigos reis de Lagos para o além e recebem um novo.
E é durante essa celebração que “Gangues de Lagos” começa, e vemos um rei ser levado, não pela celebração, e sim pela disputa entre as gangues locais. A diretora Jade Osiberu trabalha ao lado do diretor de fotografia Muyiwa Oyedele para criar cenas que transbordam na tela, com as cores e movimentos dos figurinos do Eyo, e também com a violência das ruas.
O filme conta a história de Obalola Akande (Tobi Bakare), que era apenas um bebê quando seu pai foi morto por rivais. Crescendo nas ruas ao lado dos melhores amigos Gift (Adesua Etomi Wellington) e Ify (Chike Osebuka) ele vê no crime a única forma possível de sobreviver. O fervor religioso de sua mãe o afasta da família e o aproxima de Nino (Tayo Faniran), o Eleniyan, rei das ruas locais.
Ele acolhe Oba como um filho e tenta convencer o menino a seguir por outro caminho, que não o do crime, mas a lei das gangues é que nada dura para sempre, e todo rei pode cair. Nino é morto, e Oba cresce se tornando o braço direito do Eleniyan seguinte, Kazeem (Olarotimi Fakunle).
Crime e política andam lado a lado em Lagos, e o caminho para a aposentadoria, se é que essa oportunidade vai chegar para alguém, é uma carreira no governo. Mas apesar de ter a corrupção como pano de fundo, é a trajetória hora esperançosa, hora destinada à tragédia dos três amigos que guia o filme.
Oba, assim como Nino, tinha planos para o futuro. Quando Kazeem fosse finalmente eleito, ele se mudaria para São Francisco, enquanto Ify seguiria na carreira de músico com Gift como sua empresária. Mas a realidade das disputas por território, em meio a preparação para uma eleição, tornam os sonhos impossíveis.
“Gangues de Lagos” se destaca pelas performances, com destaque para Bakare e Etomi Wellington, que podem ir da gentileza ao ódio voraz, de acordo com o que a história pede. É o mundo que eles vivem: há o desejo de fazer o certo, e há a realidade que exige violência. Ify é a maior representação desse conflito, e a irmandade entre os três os guia como uma procissão.
A produção tem alguns aspectos técnicos hollywoodianos, que servem para atrair o público internacional pretendido pela Amazon, que firmou contrato com Jade Osiberu para mais duas produções.
Mas o núcleo do filme, sua raiz, a base de onde surgem esses personagens tão característicos de Isale Eko, é o roteiro de Jade e Kay I. Jegede, que transforma um retrato local em uma narrativa universal.