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O guia esnobe do Jazz

Edson Aran

O bom de gostar de jazz é que ninguém mais gosta, então você pode mentir com a maior cara de pau. 

“E aí, foi no show do Coldplay?”

“Que nada, fui na apresentação do Orson ‘King’ Kobra, do Post Modern Jazz Quartet, no Credi Suisse Music Hall”.

Nada disso existe.

Orson ‘King;  Kobra e o Post Modern Jazz Quartet são invenções e o Credit Sussie não tem dinheiro nem pra pagar os clientes, quanto mais abrir um “Music Hall”. Só que ninguém sabe. A humanidade desistiu do jazz tem mais de 60 anos. Desde 1958, mais ou menos.

E é justamente por isso que gostar de jazz é uma excelente opção para gente esnobe, elitista e metida a besta feito você. É possível ostentar e, ao mesmo tempo, blefar. É o melhor dos mundos!

Uma conversa entre pernósticos jazzófilos (redundância) é mais ou menos assim:

“Pra mim, depois do Fusion, o jazz morreu…”

“Eu já acho que depois do Bebop, nada prestou!”

“Que nada, a coisa acabou depois do swing”.

“Depois do Jelly Roll Morton foi só ladeira abaixo…”

Tudo o que você precisa saber para praticar esse blefe esnobe é o seguinte:

Fusion foi um movimento dos anos 60 que misturava jazz com soul music e rock.

Bebop aconteceu nos anos 40-50, quando as big bands cederam lugar a grupos menores, que abandonaram o formalismo das orquestras. Importante: um grupo de jazz deve ser sempre chamado de “combo” e JAMAIS de “conjunto” ou “banda”.

Swing é o jazz das bigs bands, muito popular nos anos 30, antes da Segunda Guerra começar e os músicos serem todos convocados.

Jelly Roll Morton é considerado o primeiro músico de jazz da história. Ele teria inventado o gênero em 1902, quando tocava nos bordéis de Nova Orleans. Mas muita gente boa acredita que ele é igual a você: um blefador. O estilo existia bem antes.

Isso é tudo o que você precisa saber sobre jazz para arrasar nas festinhas. Mas se alguém se aprofundar no assunto e bater aquela insegurança, cite Miles Davis. Todo mundo adora e ninguém vai polemizar. Mas demonstre intimidade e use sempre o primeiro nome do cara.

“Miles… o sopro de Miles é mesmo inconfundível…”

Outra coisa: gente que escuta jazz tem essa mania com “sopro”. O cara não “toca” trompete, ele “sopra” o trompete, percebe? O bom disso é que você pode usar “sopro” pra tudo, exceto para pianistas, baixistas ou bateristas.

“E aí, você gosta do Gene Krupa?”

“Gene Krupa? Claro. O sopro dele é mesmo inconfundível…”

“Sopro?! Mas ele tocava bateria…”

“É… hã… ok… claro que sim, mas ele soprava enquanto batia nas caixas. Problema com sinusite, coitado.”

Agora, se você quiser realmente impressionar, vá de Ornette Coleman. Não tem erro.

Coleman é o Picasso do jazz e, assim como o pintor fazia nas artes plásticas, ele frequentemente destruía a melodia e a música ao tocar. Ele é desconstrutivista, dodecafônico e desconcertante. Coleman é um dos inventores do Free Jazz, que é contemporâneo do Fusion, mas tinha nojinho de música pop. Negócio dos caras era transformar o jazz numa experiência lisérgico-religiosa-dadaísta muito louca demais da conta que não servia pra dançar e muito menos pra cantar junto.

Ninguém escuta, claro. O que faz do Free Jazz um excelente território para exercitar a sua picaretagem, digo, seu conhecimento musical.

“Gênio mesmo é o Ornette Coleman. Aquele disco que ele gravou ao vivo em Sapopemba é das coisas mais brilhantes que já aconteceram na cultura ocidental… “

Ornette Coleman nunca esteve em Sapopemba, é claro. Mas ninguém sabe disso porque ninguém vai a Sapopemba, especialmente para escutar o Ornette Coleman. Você paga fácil de grande connoisseur.

Uma última dica: o jazz também funciona muito bem na arte da conquista. Você coloca o disco na vitrola e seu alvo conquista o direito de chamar um uber. Não falha.

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