A OMS classificou a depressão como sendo o mal do século XXI, muito antes do surgimento da Covid-19. Entender os sintomas, procurar ajuda e fazer o tratamento adequado pode trazer de volta a qualidade de vida
Ana Carolina Pereira
Nos últimos anos, a palavra “depressão” ganhou destaque nos consultórios médicos, nas matérias jornalísticas e nas conversas entre amigos e familiares. A condição, obviamente, não é uma novidade – muito antes da pandemia, afinal, a doença já tinha sido considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o “mal do século XXI”. Mas a Covid-19 também teve como consequência mais pessoas sofrendo por conta da depressão.
Para se ter ideia, um levantamento da OMS mostra que só no primeiro ano de pandemia, em 2020, o aumento de casos de depressão foi de mais de 25%. O Ministério da Saúde aponta que se trata de um problema médico grave e altamente incidente na população em geral: a prevalência de depressão ao longo da vida no Brasil está em torno de 15,5%.
As causas da depressão podem ser genéticas, causadas por um desequilíbrio químico cerebral ou desencadeada por eventos estressantes. Mauro Felix, professor de psicologia da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio, conta que a condição é caracterizada por dois sintomas cardinais: o humor depressivo, que nada mais é do que se sentir triste e ter uma visão negativa de si mesmo, e a baixa energia, ou seja, sofrer uma diminuição da vontade de buscar experiências prazerosas na vida ou não ter estímulo para continuar lutando.
“É comum que o paciente tenha pensamento de catastrofismo, como olhar para o futuro e ter uma percepção de que as coisas não vão dar certo. A dimensão cognitiva também pode ser afetada, ocasionando queda de atenção e memória e a dificuldade de tomar pequenas decisões, além de irritabilidade, isolamento social e problemas físicos, como insônia, diminuição do apetite e diminuição da libido. Acontece também o cair do limiar da dor, ou seja, um estímulo pequeno já é capaz de causar incômodo”.
Os vários tipos de depressão
De acordo com Felix, o diagnóstico da depressão é feito por um psiquiatra ou psicólogo e é baseado em uma anamnese subjetiva, ou seja, o profissional ouve o que a pessoa está sentindo e as queixas acerca das mudanças de seu comportamento, e em uma anamnese objetiva, feita a partir do relato das pessoas que convivem com o paciente.
“Dessa forma, escutamos quem está do lado de dentro e de quem está de fora, observando mudanças significativas no comportamento e na saúde mental daquela pessoa. Uma das maneiras de diagnosticar a depressão é observar o quanto o sujeito está com dificuldade em superar os sentimentos negativos, até mesmo quando as coisas estão dando certo. Todos nós nos sentimos tristes, pior do que os outros ou com falta de vontade, mas o que caracteriza a depressão é a duração e a intensidade desses sintomas”, diz.
A depressão é uma doença complexa e não é igual para todo mundo. Ela é classificada, como conta o especialista, de acordo com o impacto e intensidade na vida do paciente e as consequências em seu comportamento e humor, podendo ser leve, moderada ou grave.
Segundo ele, há também tipos de depressão mais específicos, como a depressão pós-parto, experienciada por mulheres durante a gestação ou após o nascimento do bebê; a desordem disfórica pré-menstrual que pode ser entendida como uma forma grave de TPM, levando a mulher a vivenciar os sintomas da depressão durante o período pré-menstrual; e a desregulação do humor, um tipo de depressão caracterizado por explosões de temperamento severas e recorrentes, mais comum em crianças e adolescentes.
Existe também o transtorno bipolar, que é caracterizado por estados alternados entre depressão e mania/euforia. “A maioria das pessoas acredita que a depressão é caracterizada pelos sintomas clássicos, como uma profunda tristeza que deixa a pessoa prostrada na cama, sem energia para fazer as coisas mais triviais da vida. Mas em alguns casos, pessoas deprimidas podem conseguir realizar tarefas do dia a dia normalmente, se divertir, rir de um filme ou de uma piada e mesmo assim estar deprimido, vivenciando um estado de tristeza e baixa autoestima intensa”, relata.
O mal do século
Para o professor de psicologia, é certo que as características da sociedade contemporânea contribuem para o aumento de casos de depressão e que a pandemia, de fato, só fez acelerar esse fenômeno.
“Os hormônios liberados diante de situações de grande estresse podem alterar o funcionamento do cérebro, principalmente se isso acontecer de forma prolongada ou muito intensa, e essa alteração está diretamente relacionada a uma maior propensão de desenvolver a depressão. Antes da pandemia já vivíamos em uma rotina hiperconectada e competitiva, mas as incertezas se intensificaram, aumentando os casos e a gravidade da doença em pessoas que já estavam em um estado de depressão leve ou moderada”.
Ele reforça que sem ajuda profissional pode ser extremamente difícil lidar com a condição. “É praticamente impossível passar pela depressão sozinho. O tratamento é realizado por uma equipe multidisciplinar e, hoje, já há um grande avanço da ciência referente ao tratamento como medicações e psicoterapias específicas para casos de depressão”.
Quando não tratada, a depressão pode ser agravada e, com isso, são fortalecidas as crenças negativas acerca de si mesmo, tornando os sintomas ainda mais severos, proporcionando uma incapacitação frente a vida.
“Um caso de depressão não diagnosticado pode levar a pessoa a se sentir tão impotente, apática e desesperançosa que suas relações com os outros e suas atividades cotidianas ficam comprometidas, levando a um isolamento social e a tentativas de suicídio. Neste sentido, a doença afeta não somente a pessoa deprimida, mas também todas as outras que convivem com ela e tem impacto até na situação socioeconômica do país, já que a incapacitação é uma característica da depressão”.
Em busca do bem-estar emocional
Assim como cada pessoa sofrerá sintomas particulares ao sofrer com a depressão, as formas de evitar a doença também não funcionam como uma receita de bolo. Há um consenso entre profissionais da saúde, com base em evidências científicas, de que a prática regular de atividades físicas e sociais traz benefícios e pode ajudar a reduzir os sintomas da depressão.
Também procurar estar com pessoas de quem se gosta e em quem se confia é um fator benéfico, porque ajuda a vivenciar emoções positivas. E dormir bem, que é, de forma geral, essencial para a saúde mental, aparece também como um hábito para evitar doenças como a depressão.
Mas é preciso considerar, de acordo com Mauro Felix, que as pessoas com depressão pensam de forma diferente – os sentimentos negativos e a desesperança refletem como elas veem o mundo à sua volta, por exemplo. E isso faz com que prestem mais atenção e deem mais importância às crenças e situações negativas, ignorando informações contraditórias a esses pensamentos.
“O cérebro de pessoas deprimidas está condicionado a só perceber o mundo dessa forma. Por isso, prestar atenção e anotar as ideias e pensamentos que surgem logo antes de começar a se sentir mal ou de momentos de maior tristeza pode ajudar a tomar consciência do que se passa na cabeça para poder avaliar se estão de acordo com os dados de realidade ou se são frutos das crenças negativas que a mente aprendeu a criar. Isso ajudará a flexibilizar as ideias negativas rígidas acerca de si, diminuindo os sintomas da depressão”.
É fundamental buscar ajuda caso esteja se sentindo mal por um período prolongado de tempo e reparar se familiares, amigos e colegas de trabalho estão apresentando mudanças de comportamento que tenham semelhança com casos de depressão. O diagnóstico e o tratamento adequado diminuem o sofrimento e proporcionam mais qualidade de vida.