Patrícia Froelich
Igualdade é um vocábulo que soa bonito e aparece em variados discursos e relatorias. Para compreender sua dimensão, podemos pensar no antônimo como exemplificador. Logo, portanto, lembramos de desigualdades sociais, geográficas, raciais, econômicas e de gênero. Quando pensamos a respeito desta última, podemos confabular acerca de porque os avanços na equidade de salários e oportunidades apresentam ritmo lento. Nesse sentido, na mesma medida em que caminhamos no sentido de consciência e visualização dos problemas socioeconômicos, pragmaticamente avançamos com timidez, especialmente em nosso país.
Por que a desigualdade e seus matizes são prejudiciais? Como podemos alcançar a igualdade de gênero na sociedade contemporânea? Qual o nosso papel nesta luta? Como potencializar as benéficas transformações societais? O que fomenta a igualdade? Hoje, como e quanto posso contribuir para uma sociedade menos díspar? Eu auxilio na desconstrução de tabus ou lhe forneço mais sustância? De que forma aceleramos a equidade salarial? Quem se beneficia das discrepâncias estruturais?
Se nossa bandeira comum é a igualdade de gênero cabe questionar em paralelo: o que é ser mulher no Brasil? Quais as diferenças regionais? Como identificar e mitigar os privilégios masculinos? Nossa educação é emancipadora? As estruturas da sociedade têm tamanho poder, pois nós auxiliamos a sustentar seus pilares? Ao julgarmos uma mulher sem conhecer sua realidade, estamos contribuindo para a manutenção de uma estrutura desigual e opressora? Se o trabalho doméstico fosse executado majoritariamente por homens, também seria desvalorizado? Corroboro com a pensadora Silvia Federici (2019, p. 51; 52¹), para quem a transformação da sociedade passa pela valorização do trabalho feminino no âmbito doméstico. O trabalho sem remuneração não merece mais a insígnia de amor:
Os homens são capazes de aceitar nossos serviços e tirar proveito disso porque eles presumem que o trabalho doméstico é uma tarefa fácil para nós e que gostamos de realizá-lo, pois o fazemos por amor. Na verdade, eles esperam que nós sejamos gratas, porque, ao casar e viver conosco, eles nos deram a oportunidade de nos expressarmos enquanto mulheres (isto é, servi-los). “Você é sortuda por ter encontrado um homem como eu”, eles dizem. Apenas quando os homens compreenderem o nosso trabalho como trabalho — nosso amor enquanto trabalho — e, mais importante, nossa determinação em rejeitar ambos, eles mudarão suas atitudes em relação a nós. Somente quando milhares de mulheres saírem às ruas dizendo que é um trabalho duro, odioso e desgastante realizar tarefas intermináveis de limpeza, estar sempre emocionalmente disponível, ser coagida a transar para não perder o emprego, é que eles terão medo e se sentirão enfraquecidos como homens. E, no entanto, isso é o que de melhor poderia acontecer a eles, segundo seu próprio ponto de vista, porque, ao expor a forma pela qual o capital nos manteve divididos (o capital os disciplinou por meio de nós e nos disciplinou por meio deles, um contra o outro), nós — suas muletas, suas escravas, suas correntes — abrimos o processo de sua libertação.
Nesse sentido, a igualdade/equidade passa por reconfigurações no âmbito doméstico e público, um não está descolado do outro. O trabalho “reprodutivo” e a incumbência feminina sob tal é o que consubstancia dessemelhanças e preconceitos em outros âmbitos. A raiz da discriminação e da desigualdade de gênero moram literalmente em nossa casa. Logo, todas nós temos uma sementinha da transformação sob nossa incumbência e mudar causa atrito, desconforto, mobilização pessoal, estudo e confronto.
Sobre o tema em pauta, podemos pensar acerca das mulheres desportivas. Enquanto o tênis, por exemplo, é uma modalidade que remunera equanimemente, no futebol há salários e visibilidade dissonante gigantescamente entre os sexos. Muitas profissões, inclusive, são outorgadas às mulheres, geralmente aquelas envoltas pelo prisma do cuidar. O cuidado e seus adjacentes são vistos como algo natural para as mulheres, pouco se problematiza acerca da construção social sob as habilidades de gênero.
Obrigada pela sua leitura desta coluna. E, na sua opinião, a igualdade de gênero na sociedade contemporânea é possível? Quais desafios ou exemplos você elencaria em consórcio? Me ajuda a confabular sobre isto aquém do mês de março?! Até a próxima semana, estimada/o leitor(a)!
¹Livro: O Ponto Zero da Revolução: Trabalho Doméstico, Reprodução e Luta Feminista.