A competição entre os dois países vêm de longa data, mas, pela primeira vez, a influência chinesa, não apenas no comércio, mas na tecnologia e na cultura, pode estar abalando o poder estadunidense
Por Ana Carolina Pereira
A relação conturbada entre a China e os Estados Unidos vem de longa data na geopolítica. Os momentos de maior tensão e também os de trégua são marcados por uma competição histórica, que tem como foco o poder nas áreas econômica, tecnológica e militar, em busca de maior influência e liderança na ordem global.
Desde a Segunda Guerra Mundial, os EUA têm se mantido na posição de maior potência mundial, mas, recentemente, a ascensão da China tem gerado discussões sobre a possibilidade do país asiático ameaçar a soberania americana, principalmente considerando o soft power chinês, que vem ganhando cada vez mais espaço no mercado.
O soft power, ou “poder brando”, como explica o professor de Relações Internacionais, Guilherme Meireles, é um termo que foi cunhado no começo dos anos 1990, perto do término da Guerra Fria, pelo cientista político Joseph Nye. “O hard power é o poder militar tradicional de um país: ou seja, quanto mais armado, mais poder ele tem. E o soft power é o poder que um país pode exercer de outras maneiras, principalmente por meio de sua força cultural”, aponta.
Os EUA, como explica o professor, têm um soft power muito influente no mundo. Afinal, muito do que é consumido ao redor do globo retrata ou vem da cultura norte-americana. “Quando vamos ao cinema assistir a um filme de Hollywood ou quando assinamos plataformas de streaming como a Netflix, isso tudo é soft power. E ele é importante para as relações internacionais porque expande o poder de uma nação”.
O crescimento chinês
No caso do soft power chinês, o impulsionamento se dá principalmente pela crescente influência do país na tecnologia, em suas mais diversas formas – para se ter uma ideia, o TikTok é de propriedade da empresa chinesa ByteDance, sediada em Pequim, e se tornou uma das redes sociais mais populares em todo o mundo. O país também tem investido em inovações como inteligência artificial e 5G.
A tendência é que a China siga apresentando crescimento nessas áreas. Mas é importante observar que o soft power é um conceito complexo e multifacetado, que envolve fatores como a política externa, a diplomacia, a educação e a economia.
Meireles lembra que a China se consolidou, inclusive, como sendo a segunda maior economia do mundo e que esse é um feito bastante impressionante. “É preciso considerar que a República Chinesa como a conhecemos hoje é relativamente recente. Apesar de milenar, o regime comunista chinês foi fundado em 1949, sob a liderança de Mao Tsé-Tung. O país só se abriu para o comércio mundial no final da década de 1970 e acabou seguindo a linha econômica dos EUA em alguns pontos. Hoje a China é o maior parceiro comercial do Brasil, por exemplo, posto que, antigamente, era ocupado pelos EUA”, comenta.
O processo de liberalização da China, promovido pelo líder Deng Xiaoping, depois da morte de Mao Tsé-Tung, permitiu que os produtos chineses invadissem vários países do mundo, criando uma competição direta com o mercado americano, com uma diferença crucial: a qualidade e o preço.
“Os produtos americanos são reconhecidos como de melhor qualidade, o que é um problema para China e vantagem para os EUA. Por outro lado, os produtos chineses são infinitamente mais baratos – por conta de seus mais de 1,4 bilhões de habitantes, o custo de produção chinês é muito baixo – e isso é um problema para os EUA e uma vantagem para a China. Uma das maiores discussões hoje é exatamente qual vai ser a grande potência comercial dos próximos anos”, afirma.
EUA x China
Segundo o professor, algumas pessoas acreditam que o poder dos EUA está em decadência, outros dizem que não. “Eu acho que ainda não. Na minha visão, os Estados Unidos continuarão sendo a principal potência, até mesmo considerando o soft power, por algum tempo, principalmente por conta do poder da sua moeda, que acaba controlando a economia mundial. Por isso, acredito que a China ainda não consegue desbancá-lo”, diz.
Outras características que devem ser ressaltadas é que a China ainda é um país autoritário e ditatorial e isso, para o mercado internacional, que é liberal, é mal visto: gera instabilidade na política e, consequentemente, no mercado. “Querendo ou não, os EUA são um país com instituições claras aos olhos do mundo e isso faz muita diferença”, complementa.
Daqui para frente, a expectativa é que os laços entre os rivais China e Estados Unidos possam ser estreitados – visto que o governo de Joe Biden proporciona uma relação mais diplomática, com menor retórica de ataques ao rival, em comparação com a liderança de Donald Trump, que acabou gerando um maior afastamento.
E, para o restante do mundo, incluindo o Brasil, resta observar até onde, utilizando o artifício de acabar com a concorrência pela prática de preços baixos, o comércio chinês conseguirá chegar. “Esse é o primeiro passo, mas o caminho é longo. Em termos culturais, a produção americana está muito enraizada no mundo todo e não só ainda predomina como deve seguir predominando o mercado por muito tempo ainda”, conclui.