Série da HBO debate conflitos morais do apocalipse e cria épico dramático baseado na relação dos protagonistas vividos por Pedro Pascal e Bella Ramsey
Por Gabriela Mendonça
No último domingo (12) “The Last of Us” chegou ao final da primeira temporada com o que parece ser o desfecho da jornada de Joel (Pedro Pascal) e Ellie (Bella Ramsey), iniciada de forma tortuosa e improvisada no começo da série.
Baseada no fenômeno jogo de videogame, a série tinha uma fan base fiel e uma missão dura para cumprir: transpor para a tela da TV os conflitos e eventual vínculo entre dois estranhos que vivem em um mundo em decadência, não conseguem confiar em ninguém, e esperam o pior de todos, tudo isso enquanto enfrentam fungos mutantes.
Com o final da temporada, “The Last of Us” provou que é capaz de trazer a narrativa do jogo, mesclando cenas tiradas quase que inteiramente da versão do videogame, com novos arcos narrativos e desenvolvimento de personagens.
Foi assim com o terceiro episódio, “Por muito, muito tempo”, quando conhecemos e nos emocionamos com a história de Bill (Nick Offerman) e Frank (Murray Bartlett), e também no quinto, “Resistir e Sobreviver”, ao sermos apresentados à resistência comandada por Kathleen (Melanie Lynskey) e descobrimos o que Henry (Lamar Johnson) fez para proteger o irmão Sam (Keivonn Woodard).
Uma das características que tornou a série tão emocionante, episódio a episódio, foi justamente a forma como os personagens secundários foram revelados e desenvolvidos. Em uma hora eles aparecem e se vão, mas seus laços e suas histórias são tão bem construídos, que se tornam memoráveis.
Mas a força de “The Last of Us” dependia do sucesso em transpor a dupla de protagonistas para a tela, e esse é o grande triunfo da série. Pedro Pascal e Bella Ramsey mostraram porque foram as escolhas perfeitas para os papéis ao conseguir desenvolver essa difícil dinâmica de duas pessoas que lutam para não criarem um vínculo mas, no final, são tudo que falta um no outro: um pai, e uma filha.
A relação dos dois se transforma a cada episódio, ganhando confiança, respeito e, no final, invertendo os papéis: ele falador, tentando animar Ellie, e ela quieta, abalada por toda a violência que enfrentou no oitavo episódio, “Quando Mais Precisamos”.
Embora a atitude final de Joel gere muita controvérsia, esse é o questionamento central da série: até onde um vai para proteger quem se ama? O que é mais importante, salvar a humanidade, ou a família?
Pedro Pascal, mais uma vez mostra seu talento com um personagem que parece durão à primeira vista, mas vai desfazendo suas camadas e apresentando suas complexidades. Ele carrega 20 anos de culpa e solidão, que culminam em uma bela cena onde ele, finalmente, entende que pode se permitir sentir amor por alguém. Quando conta sobre sua filha Sarah (Nico Parker) e seu passado para Ellie, se deixa levar pela emoção que por tanto tempo escondeu. Não foi o tempo que curou Joel, foi Ellie.
E é por isso que ele decide mentir para ela, escondendo o porquê dela ter acordado em um carro em movimento, longe do hospital que eles lutaram tanto para chegar com vida.
A escolha de Joel não foi fácil, e esse conflito deve ser a base para a segunda temporada, já confirmada. Mas a decisão faz sentido para um homem que já perdeu tudo, e não vai aceitar perder Ellie também.
Ela, por outro lado, passou 14 anos confinada em uma zona de quarentena, sendo preparada para se tornar mais uma soldado. Quando finalmente vê o mundo, entende que as pessoas são tão letais quanto os fungos. Ela compreende a importância de ter alguém para proteger e ser protegido, e vê o que os humanos são capazes para se manterem vivos e no poder. Ela também sabe do que Joel é capaz e, pelo menos por enquanto, escolhe acreditar no seu protetor.
Bella Ramsey foi muito criticada após ser anunciada como Ellie, mas é difícil pensar, agora, em alguém mais adequado para o papel. Do estilo agressivo e impulsivo do começo, a quietude dos traumas do final, a atriz cresceu com a personagem, enquanto ela perdia sua inocência e aprendia como sobreviver, culminando em um dos momentos mais marcantes da temporada, no final do penúltimo episódio.
Sozinha, Ellie entende o real significado de resistir e sobreviver, e Bella Ramsey demonstra toda sua potência, da coragem ao medo, da raiva ao alívio, da violência a um abraço de proteção.
Neil Druckmann, criador do videogame, criou uma história complexa e com muitas oportunidades para desenvolver narrativas dramáticas, que Craig Mazin, showrunner e escritor da série, soube aproveitar cada uma.
E com o apoio da HBO, que sabe criar fantasias para a televisão, “The Last of Us” ainda ofereceu um deslumbre visual, com cenários melancólicos e solitários, ou confinados e assustadores, além de monstros perigosos – humanos ou não.
Nos momentos em que se aproxima do videogame, como no episódio em que Ellie e Joel discutem se devem seguir juntos, ou quando se deparam com uma girafa, até as partes onde se afasta do material original, The Last of Us presta uma homenagem ao jogo, enquanto se firma como sua própria obra, criando um épico digno de acompanhar domingo a domingo, e que vai deixar saudades até a próxima temporada.