Edson Aran
Sou muito fã de Eurotrash, mas chi cazzo è questo?, pergunta a leitora. E ela está certa. Ninguém é obrigado a saber.
Eurotrash é um produto cultural europeu que mistura vulgaridade e pretensão. O Velho Continente é frequentemente associado à alta cultura, Renascença, Shakespeare, Cervantes, esses troços. Mas pra cada mozzarella italiana tem um queijo francês fedorento e pra cada Laurence Olivier existe um Jeremy Irons.
Um bom exemplo de Eurotrash são halterofilistas jogando pedras de isopor uns nos outros em épicos italianos tipo “Hércules e Sansão contra Maciste na Atlântida”.
Foram nessas produções mezzo Novela-Bíblica-da-Record, mezzo filme da Marvel que Sergio Leone e Sergio Corbucci estrearam na direção. Sem Hércules não haveria Django ou o Estranho Sem Nome, que também são grandes expoentes do Eurotrash. Mas não é só isso. Sem caça-níqueis kitsch, a Cinecittà não teria dinheiro para financiar a opulência cabeçuda de Federico Fellini.
O cinema Eurotrash mora no meu coração, mas seria um crime não falar da música Eurotrash. O Festival Eurovisão da Canção é a coisa mais brega que já aconteceu na história da humanidade e eu não me esqueci do programa do Raul Gil. Quem cresceu nos anos 80, certamente se lembra de um grupo performático euro-esquisitão que “cantava”: “Genghis, Genghis, Genghis Khan, deixa na história uma página de dor, era o Genghis, Genghis, Genghis Khan, e a todos que encontrava, matava e queimava, hahahahahaha, Genghis, Genghis, Genghis Khan…”
O grupo brasileiro fazia parte de uma franquia internacional alemã, revelada no Eurovisão de 1979. Existe coisa mais divertida do que isso? Claro que existe! Que tal os ingleses da banda Right Said Fred recitando “I’m too sexy for my shirt, too sexy for my shirt, so sexy it hurts, I’m too sexy for Milan, too sexy for Milan, New York and Japan…”
Ser sexy é fundamental ao Eurotrash. Pode ser Jane Fonda vestida de Barbarella no filme do Roger Vadin, as noivas vampiras de Christopher Lee nas produções da Hammer ou Jane Birkin gozando em “Je t’aime…mois non plus”. Hoje ela e o Serge Gainsbourg são chiques, pois o tempo, thanks god, se encarrega de humilhar os moralistas. Mas em 1967 eles eram um casal-escândalo, especialmente pela gemeção da dona Birkin.
Na linha pornô-chique ainda dá pra incluir as HQs do Milo Manara, a inesquecível série “Emanuelle” e a eleição da húngara Ilona Anna Staler, a Cicciolina, para o parlamento italiano em 1987.
Aliás, por falar em gente sem classe, tem coisa mais Eurotrash do que o Karl Marx entregando o futuro da civilização aos proletários alemães que só comiam chucrute com salsichão? Fala sério. Ou Jacques Derrida naquela fúria desconstrutivista que lembra a especulação imobiliária em São Paulo? Ou Theodor Adorno escrevendo canções pros Beatles para (huahuahua) acabar com Ocidente? Que mané! Todo mundo sabe que os Sex Pistols são muito mais eficientes. God save the queen, the fascist regime, they made you a moron, a potential H Bomb… no future, no future, no future for you!
O bom do Eurotrash é que você pode usar o termo sem receio de linchamento real ou virtual. O europeu é um vilão de filme da Disney. Não importa se ele é Robespierre, Voltaire ou Sartre, Wagner, Marx ou Thomas Mann, Dante, Eco ou Calvino. Se é europeu, pode odiar sem medo de ser feliz.
Ou amar, mas aí é com você.
I’m too sexy for my love, too sexy for my love, love’s going to leave.