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Feminismo plural busca diversidade de perspectivas na luta por direitos

Evolução do movimento gerou desdobramentos e atritos, mas há pontes sendo construídas para tornar demandas mais fortes e suscetíveis ao mais diferentes extratos sociais

Por Gabriela Mendonça

No dia 3 de março de 1913, mulheres de todas as partes dos Estados Unidos se reuniram na capital, Washington, para marchar por direitos ao voto. As sufragistas já se organizavam desde o século anterior, pedindo a participação feminina na democracia, não só norte-americana, mas também na Inglaterra e França. 

Nesse dia de inverno, pouco antes da posse do então presidente Woodrow Wilson, entre 5 e 10 mil mulheres responderam à convocação das sufragistas Alice Paul e Lucy Burns para lutar por seus direitos. 

Quem também atendeu o chamado foram as sufragistas negras, que prontamente foram segregadas e colocadas no fim da procissão. A exceção foi a jornalista Ida B. Wells, que se recusou a ficar escondida, marchou ao lado das mulheres brancas à frente do protesto. 

A história do feminismo tem muitos momentos como esse: embora lutem por direitos, as mulheres brancas nem sempre estão dispostas a debater questões como gênero, e incluir outros grupos em sua demanda por igualdade. 

Única imagem de Ida B. Wells na marcha de Washington em 1913,
publicada pelo Chicago Daily Tribune

A escritora, filósofa e feminista negra Djamila Ribeiro trata do tema no livro “Quem Tem Medo do Feminismo Negro?”: “Existe ainda, por parte de muitas feministas brancas, uma resistência muito grande em perceber que, apesar do gênero nos unir, há outras especificidades que nos separam e afastam. Enquanto feministas brancas tratarem a questão racial como birra e disputa, em vez de reconhecer seus privilégios, o movimento não vai avançar, só reproduzir as velhas e conhecidas lógicas de opressão”.

Uma das questões apontadas por feministas negras para o avanço do movimento é, por exemplo, a interseccionalidade. O termo, cunhado pela professora de direito norte-americana Kimberlé Crenshaw descreve como questões como classe, raça e gênero se cruzam, e é impossível tratar de um, sem reconhecer os outros.

Feminismo para 99%

Falar de feminismo sem tratar dessas diferenças impede que as mulheres combatam juntas as opressões que ainda contribuem para um sistema de gênero desigual. Dados de 2021 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que as mulheres são maioria no país, e representam 51,1% da população. Com raças, classes sociais, religiões e outras características diversas, são muitas as pautas levantadas, e nem sempre há um consenso. 

Além disso, debates que hoje são mais centrais, relacionados à sexualidade e gênero, não existiam anos atrás, criando ainda mais um distanciamento entre esse grupo tão plural. 

Unir essas pautas, e trazer experiências tão distintas para o mesmo debate pode ser um desafio, mas que para o Coletivo Juntas, é a única forma de seguir buscando direitos. “A gente do Juntas defende um feminismo dos 99%. O nosso feminismo entende que precisamos lutar pelas pautas e pelo sofrimento que as mulheres negras, as mulheres indígenas, as mulheres das periferias, do campo, as mulheres PCD e as mulheres trans estão passando”, explica a coordenadora nacional do movimento, Adriana Herz Domingues. 

No começo da década de 2010, uma movimentação feminista começou a se espalhar pelo mundo, e chegou ao Brasil em 2011 com a Marcha das Vadias. Na mesma época, o coletivo era formado com o objetivo de organizar as demandas feministas e ampliar a voz das mulheres. 

O grupo participou das Jornadas de Junho em 2013 e ganhou o apoio de mulheres que começavam a despontar no cenário político, como Sâmia Bomfim e Mônica Seixas.

Manifestantes do Coletivo Juntas em ato do 8 de março de 2018 |Foto: Reprodução/Facebook

Embates no feminismo

Apesar de lutar por 99%, o embate entre as vertentes feministas ainda tem uma característica divisora, que muitas vezes beneficia 1%. “Temos embate com setores do movimento feminista que se chama radical, que não respeita a participação das mulheres trans do movimento”, explica Adriana. 

Na última semana, a revista AzMina anunciou que, durante o mês de março, vai trazer como tema central conteúdos que celebram as mulheres trans latinoamericanas. Como faz todo ano, a publicação utiliza o mês do Dia Internacional da Mulher para se debruçar sobre temas específicos. 

O tema foi escolhido para levar luz ao fato de que na América Latina, a expectativa de vida das mulheres trans não passa dos 35 anos. Mas também serve como uma resposta aos comentários transfóbicos recebidos pela publicação nas redes sociais. 

“Sabemos que mulheres cisgênero sofrem inúmeras opressões e que muitas incidem diretamente sobre o sistema reprodutor – o útero, o ovário, a vulva. Não as negamos, as combatemos de diferentes maneiras”, diz o editorial. “Mas acreditamos que a violência sofrida por mulheres cis e trans vem do espectro social. Temos mais coisas em comum do que diferentes: o sistema que nos oprime é o mesmo, e, desse ponto de vista, ele não atua sobre o aparelho reprodutor feminino, mas sobre o gênero mulher, independente da biologia ou cromossomos”, conclui o texto. Sua divulgação, também nas redes sociais, gerou uma onda de comentários com o mesmo teor transfóbico. 

“O Brasil hoje é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo. A luta pela vida delas é muito importante, também temos que incluir sua participação e colocar suas pautas para dentro do movimento feminista”, reforça Adriana.

Feminismo para 1%

As radicais não são as únicas que se distanciam da igualdade na promoção de direitos que causa embates entre as feministas. A vertente chamada de feminismo liberal também recebe críticas por uma visão restrita sobre a evolução do movimento. “É um feminismo que se utiliza da pauta para que algumas mulheres avancem em cima do ombro das outras”, explica Adriana. 

Considerada a versão mais antiga do movimento, tem origem na Revolução Francesa, no século XIX, como uma forma de reivindicação das mulheres em ocupar os mesmos espaços dos homens. 

Hoje, no entanto, ele é criticado por ser superficial, e não abordar essas outras questões sociais. Com viés individualista, essa vertente está mais alinhada com poder econômico, e acaba servindo a um grupo que já ocupa uma posição de privilégio na sociedade. “Queremos um feminismo que de fato represente a luta concreta das mulheres que estão na ponta da nossa sociedade e que possa fazer uma mudança radical de verdade”, aponta Adriana. 

Para onde ir?

“O século XXI será feminino”, afirma a deputada federal e advogada Joênia Wapichana, em texto que acompanha o manifesto “Feminismo para os 99%”, escrito em 2019 por Nancy Fraser, Cinzia Arruzza e Tithi Bhattacharya. 

“Por enquanto, ainda é um século em que o patriarcalismo, a apartação e a desigualdade imperam. (…) Mas o tamanho do problema, a soma das interações das crises múltiplas que assolam o planeta, não pode nos paralisar”, continua a política. 

Para o manifesto, é a união das principais vertentes que olham para um feminismo plural que pode transformar esse cenário. “Defendendo todas as pessoas que são exploradas, dominadas e oprimidas, ele [o feminismo para os 99%] tem como objetivo se tornar uma fonte de esperança para a humanidade. É por isso que o chamamos feminismo para os 99%”, diz o manifesto.

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