Reinaldo Glioche
No que depender dos prêmios do sindicato, que antecedem a premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, a resposta é sim. “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” tem demonstrado uma força até certo ponto surpreendente na temporada.
Em uma temporada sem grandes filmes, mas muito bem harmonizada, o domínio que o filme dos Daniels ostenta sugere uma barbada no Oscar, mas em uma Academia em franca transformação, pode não ser exatamente assim. É preciso ir até 2009, último ano com cinco indicados a Melhor Filme, para encontrar um longa com oito estatuetas (“Quem Quer Ser um Milionário?”). Depois disso, tivemos até filmes com seis ou cinco estatuetas, como “Gravidade” (2013) e “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015), mas sem a mais cobiçada delas.
“Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” é o tipo de underdog que a Academia historicamente gosta de prestigiar, mas diferentemente da corrida em 2022 quando filmes divisivos privilegiaram “Coda”, há candidatos que arregimentam apoio suficiente para lançar sombra ao longa protagonizado por Michelle Yeoh. A começar pelo longa tido como favorito no início da corrida. “Os Fabelmans” é cinema bem-feito, spielbergiano até a raiz e pode ser o refúgio de quem torce o nariz para a maluquice do filme dos Daniels.
Já “Elvis” é puro espetáculo hollywoodiano e também é um sucesso de bilheteria, além de ter sido o indicado a melhor filme mais assistido no streaming (apenas “Avatar: O Caminho da Água” não está disponível no formato nos EUA).
São dois filmes muito aprazíveis, com bom lastro orgânico nas alas mais tradicionais da Academia e que podem ameaçar o favoritismo de “fora pra dentro” de “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”. Mais intelectualizados e narrativamente sofisticados figuram “Os Banshees de Inisherin” e “Tár”. São longas que, se não ostentam grandes chances de vitória, no esquema de voto preferencial, podem ser o fiel da balança na definição do grande vencedor do Oscar. Por etimologia, ajudam mais a candidatura do filme dos Daniels.
Fatores extra campo
O fato de ser um filme pequeno, independente, que na força do boca a boca irrompeu a fronteira dos U$ 100 milhões nas bilheterias ajuda muito a candidatura de “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”. Bem como o fato de ser um filme protagonizado por estrelas asiáticas e ter uma agenda queer. São elementos que atraem mais votos na vigente configuração da Academia do que afastam.
Outro ponto importante a ser considerado é o fato de ser um filme original, no melhor do conceito, já que os principais concorrentes do ano também o são, mas nenhum deles ostenta uma viagem como o longa dos Daniels.
Em uma indústria carente de boas ideias e que observa com certo grau de inércia o arrefecimento do cinema independente, um prêmio a “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” pode ser o estímulo certo no momento apropriado. E, finalmente, aí pode estar a chave pela predileção do longa em detrimento da obra de Spielberg. No Oscar de hoje, o futuro importa mais do que o passado.