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Autores que pensam o cinema estão em cartaz neste início de 2023

Reinaldo Glioche

Depois de sete semanas no topo das bilheterias nos EUA, “Avatar: O Caminho da Água” perdeu o posto para o novo filme de M. Night Shyamalan. Seu quarto para a Universal Pictures e seu segundo consecutivo adaptado de um livro. O cineasta indiano reúne fãs tão ardorosos quanto seus detratores, mas é inegável sua capacidade de manter-se comercialmente viável sem precisar renunciar ao seu DNA como autor.

Nem sempre foi assim. Na década passada, Shyamalan chegou a flertar com produções pasteurizadas como “O Último Mestre do Ar” (2010) e “Depois da Terra” (2013), enquanto agonizava rodando de estúdio em estúdio. “A Visita” (2015), filme que, a exemplo de “Batem à Porta” (2023), financiou sozinho e distribuiu pela Universal Pictures, marcou a virada de chave.

O cineasta continua apostando em histórias inusitadas, em roteiros maestrais e em direções insinuantes para viabilizar um cinema tão autoral quanto comercial, uma equação especialmente difícil em Hollywood.

Cena de “Batem à Porta” | Fotos: divulgação

“Batem à Porta” é mais um longa do indiano a dividir a crítica. Dessa vez, a moral assumida pelo cineasta foi problematizada. Por que não manter a ambiguidade em relação à paranoia que nos envolve? Em “Batem à Porta”, um casal gay e sua filha pequena têm a paz de suas férias em uma cabana remota interrompida por quatro estranhos que dizem estar ali por terem tido visões e para apresentá-los a uma escolha que pode adiar o apocalipse.

Qualquer pessoa com alguma intimidade com a bíblia é capaz de intuir para onde o longa vai. O mistério em relação ao desfecho jamais foi uma preocupação para Shyamalan. Por isso ele opta em ir por um caminho diferente da obra em qual o filme se baseia. Mas a crítica não consegue enxergar Shyamalan fora dos rótulos que outorgou para ele.

O “mestre do suspense” não poderia estar menos interessado no suspense. O que Shyamalan propõe aqui é desafiar convenções, da fé à descrença, e busca a conotação religiosa para tanto. Não é um filme sobre religião, mas é um filme sobre fé e sobre a falta de fé. Do homem na humanidade e vice-versa. É, também, um exercício de cinema agudo. Com os closes que se atropelam, com um único cenário e com toda a tensão emanando mais dos diálogos do que das ações dos personagens.

A moral do filme causa estranheza por demandarmos que nossos autores sejam tão cínicos quanto a gente. E é mais ou menos por aí que envereda Todd Field, uma das grandes figuras do Oscar 2023, com “Tár”.

O terceiro filme da carreira de Field, em hiato desde “Pecados Íntimos” (2006), é um estudo de personagem algo desestabilizador. A história de Lydia Tár (Cate Blanchett) também está sendo percebida por grande parte da crítica como “o filme americano definitivo sobre a cultura do cancelamento”. Nem tanto a Meca, nem tanto a Maomé.

Todd Field orienta Cate Blanchett

“Tár” é um filme sobre arte, sobre a corrosão de uma artista, mas também uma história de fantasma, de uma personagem olhando – e se assustando – com os próprios demônios. Mas tal qual sua protagonista, Field encara todo aquele universo com cinismo – em doses mais cavalares do que sua audiência. “É tudo uma questão de tempo”, explica Tár em dado momento do filme.

Vivemos o tempo do cinismo. Field compreende isso e encerra seu filme de forma a cravá-lo no zeitgeist. Já Shyamalan advoga que o tempo do cinismo precisa ficar para trás. São dois cineastas que pensam o cinema e pensam o mundo pelo cinema. É um raro encontro poder prestigiá-los em cartaz nos cinemas.

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