Política e Forças Armadas são coisas que não combinam na mesma frase. Muito menos num governo democraticamente eleito, gostemos ou não de qual tenha sido.
Kristhian Kaminski
A história recente mostra que esse flerte inadequado segue forte, ainda que tenhamos exemplos suficientes tanto do passado quanto do presente para não compactuar com a ideia. Se eu fosse voltar muito no tempo para ilustrar a tese esse texto não teria fim. Basta lembrar o que foi o nazismo e o fascismo. Ou o que ocorreu bem mais recentemente na nossa vizinha Venezuela. Ou ainda, trazendo o assunto para o Brasil, o período da ditadura militar, em que tortura e assassinatos eram coisas corriqueiras.
Com todos esses exemplos, é surreal que ainda existam grupos – e não são poucos – que defendem a volta desses modelos. Sob os argumentos mais esdrúxulos.
Mas a realidade é essa, eles existem, são organizados e articulados, encontraram nas redes sociais um caminho para arrebanhar cada vez mais seguidores. Não aceitam o resultado das eleições, acampam em frente a quartéis pedindo intervenção militar, promovem invasão e depredação das sedes dos poderes constituídos, patrimônio público pelo qual nós pagamos.
E tudo isso ocorreu com a conivência velada do ex-presidente e das Forças Armadas. Mais de 1.200 pessoas que participaram dos atos golpistas foram detidas. Metade já foi solta, diga-se. Outras tantas escaparam porque comandos militares locais simplesmente impediram a ação das forças policiais de agirem nos vários acampamentos montados pelo País. Mais do que isso, o absoluto silêncio das forças militares serviu de estímulo à manutenção do sonho golpista.
Não há base para afirmar categoricamente que Jair Bolsonaro pretendia se perpetuar no poder com o apoio das Forças Armadas. Mas tudo leva a crer, e seus apoiadores acreditavam e ainda acreditam nisso.
Demonizar qualquer instituição que seja, pelos deslizes de uma parte, não é correto. As Forças Armadas têm sim um papel preponderante, na defesa da soberania nacional e inclusive em questões humanitárias. Não na política, não fiscalizando resultados de eleições, não na administração pública. Não.
O que Bolsonaro fez foi exatamente o contrário. Incluiu quadros militares em todos os lugares que pôde, desde o vice Hamilton Mourão ao desastroso ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello – indicado ainda sendo oficial da ativa – a inúmeros outros cargos de segundo e terceiro escalão.
Até na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) militares ganharam cargos. O assunto agora ganha destaque pelo drama vivido pelos yanomamis. Vêm à tona denúncias de que esses militares teriam sido comprados por garimpeiros para serem lenientes com crimes cometidos nas terras desse povo indígena. Isso tudo estava acontecendo bem debaixo de nossos narizes e ninguém via.
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, parece empenhado em limpar a casa nesse sentido. Já soma mais de uma centena o número de militares afastados de funções no Poder Executivo. O comandante do Exército foi destituído, e substituído. Incluindo demissões, mais do que necessárias, na Funai. Somente ali, foram 43, que ocupavam cargos chave como chefes regionais e nacionais da instituição.
A militarização da máquina pública não só não deu certo. Deu muito errado. Hoje e desde sempre. Em uma democracia forte, “dentro das quatro linhas” como desejamos, não é possível aceitarmos passivamente ideias golpistas, política e Forças Armadas na mesma frase.