A comédia desconstrói a jornada do herói, ao apresentar uma heroína que é expert em fracassar. Uma conversa com o elenco da montagem foi tema da edição #5 da newsletter de Teatro, disparada às sextas, e que Culturize-se disponibiliza para todos os leitores. Quer ter acesso exclusivo a reportagens e análises? Torne-se assinante ou membro do Clube Culturize-se aqui.
Por Jéssica Stuque
Partindo dos textos “Sociedade do Cansaço“, de Byung-Chul Han, e “O Herói de Mil Faces“, de Joseph Campbell, a peça subverte a simbologia dos super heróis clássicos, aborda a dificuldade dos jovens adultos de entrar no mercado de trabalho num contexto pós-pandêmico e satiriza o modelo de sucesso vendido para muitos, mas que funciona para muito poucos.
O Culturize-se conversou com Ana Alencar, Franco Cammilleri e PV Hipólito, que integram o elenco, para entender sobre o seu processo criativo.
Culturize-se: O que os levou a abordar essa temática?
PV Hipólito: Tudo começou porque queríamos pesquisar a temática de super heróis que hoje está em alta e tentar relacionar com o contexto brasileiro. A gente partiu do texto “O Herói de Mil Faces”, de Joseph Campbell e sentimos uma identificação muito forte com nossa geração, dos anos 2000, que cresceu com uma esperança muito forte no Brasil. Muitos de nós somos os primeiros da nossa família a entrarem na faculdade e é como se fôssemos os heróis sendo preparados para receber o chamado para o grande momento. E aí vimos que a nossa geração é a jornada do herói que deu errado!
Franco Cammileri: Ao mesmo tempo em que o tema da frustração e do cansaço veio muito forte também, porque o processo começou na pandemia. Todo mundo estava trabalhando muito e estava muito cansado e vendo a dificuldade de fazer arte no país. A gente buscou o livro “A Sociedade do Cansaço”, que foi um outro disparador.
Culturize-se: Como se deu a construção do texto?
Franco: Nossa dramaturga Bella Rodrigues trouxe os textos e fomos fazendo workshops de improvisação das cenas.
Ana Alencar: É interessante que os personagens condizem com a jornada de herói, mas não a seguem. O texto está cheio de anticlímax.
Culturize-se: Pode nos contar um pouco sobre os personagens?
Ana Alencar: Como personagens temos um contrarregra que controla todo o ambiente e que com o tempo vai se desmantelando. Temos a heroína que é a figura aspirante à jornada do herói, mas que percebe aos poucos que não é pra ela, mas que é para pessoas muito específicas. Temos a arqui-inimiga e o “herói de verdade” que se configura como um político de direita, que é o mentor da heroína.
Franco: A dramaturgia consegue jogar com as figuras icônicas da jornada do herói ao mesmo tempo que são cotidianas. A heroína é uma funcionária de um escritório. Tem um dia em que ela é demitida, fica desempregada e tenta fazer algo que esteja ao seu alcance para ser diferente. Ela se inspira em um político e recebe o chamado na televisão para ser uma super-heroína. Então, existe o aspecto épico do jornada incrível do herói que acontece nos moldes banais e ainda dá errado.
PV Hipólito: Ao mesmo tempo que parece que ela está controlando as coisas, vamos percebendo que, na verdade, ela não controla nada. Como se a gente sentisse que é super especial, mas o sistema vai nos levando a pegar o ônibus de novo.
Culturize-se: Como vocês trabalham os figurinos dentro dessa estética?
Franco: Temos uma arquitetura brutalista, que remete aos ângulos dos prédios, arranha-céus, com personagens vestidas de preto, branco e cinza.
Ana Alencar: O figurino vai se transformando durante a peça. Tem um momento em que a heroína tenta se encaixar na jornada. Ela começa com uma calça mas com o tempo vai tentando se espelhar no herói.
Culturize-se: O que vocês querem provocar no espectador?
Ana Alencar: Que as pessoas saiam discutindo a peça.
Franco Cammilleri: Gerar discussões sobre o mundo do trabalho de jovens adultos que saem da faculdade e vão para o mercado de trabalho e discussão de gênero, porque a figura feminina encontra um mundo masculino que não é para ela. Essas figuras masculinas inclusive a colocam contra a outra única personagem mulher. Além de discussões de forma, de como a gente tenta usar esse modelo da jornada do herói para falar de algo que está muito longe disso. A peça é pessimista, mas é uma comédia hilariante, porque joga com os modelos de super herói vindos do cinema com efeitos mais “toscos” que trazem comicidade.
PV Hipólito: Depois que você estuda a jornada do herói, você começa a reparar que ela está em tudo, de Harry a Potter às propagandas e, inconscientemente, a gente vai achando que isso vai acontecer com a gente em algum grau. E essa peça diz que não é bem assim.
Serviço
“Desempregada” – Matamoscas Teatral
De 21 de janeiro a 12 de fevereiro. Sábados, às 20h30, e domingos, às 19h
Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia)
Local: Giostri Teatro em São Paulo; Rua Rui Barbosa, 201
Capacidade: 60 lugares
Duração: 70 min
Classificação indicativa: 12 anos
Gênero: Comédia