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“Glass Onion” apresenta quebra-cabeça divertido, mas peca na conclusão

Por Laisa Lima

Que atire a primeira pedra quem nunca desconfiou de alguém. Seja por conta daquele amigo falso ou do parente fofoqueiro, a natureza humana faz com que sejamos precavidos quanto a possíveis ameaças. Em maiores escalas, tal instinto mantém a segurança do indivíduo em situações potencialmente alarmantes; em “Assassinato no Expresso Oriente” (1974), uma morte em um trem poderia estar nas costas de qualquer passageiro; em “Noite do Jogo” (2018), “confiar desconfiando” é o dizer popular chave. Ensinamentos como este, aliás, perduram pela vida útil do cinema, auxiliando na montagem de enredos envoltos por mistérios, mas nem sempre tão dramáticos. “Glass Onion: Um Mistério Knives Out” (2022), de Rian Johnson, entra para o hall de filmes que manuseiam uma trama envolvendo um assassinato hermético sem a noção da própria catástrofe.

Em 2019, o mundo conheceu o detetive Benoit Blanc (Daniel Craig) por meio de “Entre Facas e Segredos”. Em 2022, Rian Johnson decide estender a empreitada do personagem na resposta de mais um caso inexplicável, desta vez na casa denominada de Glass Onion, pertencente a um milionário que atende por Miles Bron (Edward Norton). Localizada em uma ilha grega afastada, a mansão passa a abrigar, por um final de semana, o estranho círculo de amizade de Bron para uma espécie de jogo. Entretanto, Blanc recebe o convite mesmo sem ter sido convidado e, quando chega lá, percebe que será pouco provável ter apenas dias comuns. Quando um dos hóspedes repentinamente morre, o game torna-se coisa de gente grande. 

Imaginar uma situação semelhante a esta em tom de comédia não é orgânico. Devido a mente presa no factual, a tendência é entender o acontecimento como um crime hediondo, capaz de apavorar até os mais destemidos. Em “Glass Onion”, o sentimento de apreensão obtido por meios fluídos está lá, porém não deixando-se levar pela atmosfera encapada por seriedade. A ironia é notada logo nas primeiras cenas, em que elementos de comédia, tanto cenográficos quanto textuais, compõem o andamento da convocação dos participantes para a “festa”. Se optassem por um viés taciturno, provavelmente o patinho de borracha não estaria na banheira de Daniel Craig. Logo, não fincar o estilo cinematográfico em apenas uma bandeira amplia as oportunidades do longa-metragem, que transita por um pouco de tudo sem soar perdido.

Como um bom divertimento, o filme, enquanto não pesa a mão no cunho melodramático, investe pesado no entretenimento que só um blockbuster conhecedor de sua capacidade pode oferecer. Devido a testagem de tom realizado no primogênito de 2019, “Glass Onion”, por alguns denominado “Entre Facas e Segredos 2”, se reconforta na ideia de promover um jogo “Detetive” versão audiovisual. As peças são mexidas estrategicamente e cada reviravolta é sinônimo de que a imprevisibilidade reina em qualquer brincadeira que esbarra também na sorte. O público, por sua vez, é figurinha necessária neste tabuleiro; a obra fornece liberdade criativa para que desvendemos junto com os personagens, forçando o raciocínio lógico a fim de imergir totalmente na história. 

Foto: John Wilson/ Divulgação Netflix

Embora não seja totalmente dissociado do interior, dado que algumas informações ainda ficam no ar caso não se tenha assistido-o, o trabalho de Johnson contextualiza bem as antigas figuras, dando uma ênfase certeira à presença carismática em tempo integral de Daniel Craig. Já com os personagem recém exibidos, a película é generosa em fornecer tempo de tela ideal para que sejam compreendidas suas personalidades, que mais tarde podem ser enquadradas como odiáveis. O egocentrismo e a futilidade imperam em um espaço onde o escambo vira comercialização e o midiatismo é a estrela principal. E as luzes deste show, podemos dizer, forem incumbidas em especial a Kate Hudson e sua tão excêntrica quanto amargurada Bird, Edward Norton com um vilão que normaliza sua vilania a ponto de entregar comicidade, e Janelle Monáe no papel de Andi, apresentando nuances escondidas sob o enigma que se constrói ao redor de sua pessoa. E, ainda que sejam identificados democraticamente, o grupo, que ainda conta com Claire (Kathryn Hahn), Duke (Dave Bautista) e Lionel (Leslie Odom Jr.), além das coadjuvantes Whiskey (Madelyn Cline) e Peg (Jessica Henwick), representa, em uma só voz, a escória da sociedade americana lucrativa a base de uma imagem perjura.

A crítica realizada pelo diretor e roteirista Rian Johnson, vendendo um produto ambicioso na carapuça de um filme sem pretensões sociais ou argumentativas, é incutida no espectador ao mesmo tempo com que ele se deleita. A sacada de mestre do roteiro e da direção de Jonhson, então, foi apostar na inteligência de sua audiência, sem subestimar seu poder de avaliação e sua perspicácia em relação às indagações surgidas ao longo da obra. Exteriorizado igualmente por diálogos bem bolados e sempre detendo um fundo de verdade, o artista monta a composição de sua ideia imaginária com um visual colorido e exótico, juntamente a uma trilha sonora estimulante que poderia perfeitamente integrar um filme de aventura da Disney. Se olhado no detalhe, porém, o longa-metragem vai muito além da vontade de fazer rir ou de ser somente uma bobeirinha qualquer. Apesar disso, o filme peca em sua conclusão final, deixando a desejar o gosto de um término à altura de todo o quebra-cabeça nos ofertado.

“Glass Onion: O Mistério Knives Out” entretém, intriga, faz rir e faz pensar. Se tratando de uma obra categorizada como comédia, vai de encontro com a superficialidade nítida no cinema de alguns cineastas – que, claro, não são Rian Johnson. Aqui, todavia, os erros de resolução do conteúdo são distanciados dos acertos observados durante as 2h19 minutos, que, perante a ação constante, não demoram a se findar. Tal conquista deve-se também à seleção dos personagens que guiariam a trama, não deixando nem escorregar nem esfriar o que viria a ser uma narrativa na qual o próximo passo é inexplorado, mas é sabido que será divertido. Na liderança do detetive cordial de Daniel Craig, o longa-metragem ganha pela simpatia que fisga a afeição e a atenção de quem vê, tornando a desconfiança algo distante do que é sentido pela qualidade da obra.

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