Tom Leão
Mais uma vez, a Família Addams está no pedaço. Desde que foi criada pelo genial desenhista Charles Addams (1912-1988), publicada sob a forma de cartuns, na prestigiada revista ‘The New Yorker’ — a partir de 1938 e ao longo de 50 anos –, ela já teve diversas encarnações, seja sob a forma de desenhos (estáticos ou animados), séries de TV, filmes para cinema, videogames e mais. Tudo sempre com algum nível de sucesso.
A mais nova encarnação da excêntrica família, chega como uma série para o streaming Netflix, “Wednesday” (focada na Wandinha), sob o comando de ninguém menos do que Tim Burton. Até aí, nada demais. O legal é que, por conta de uma cena em que Wandinha dança ao som de um dos clássicos do Cramps, ‘Goo Goo Muck’, fez com que a defunta banda americana de psychobilly, tenha sido descoberta pelas novas gerações. Assim como aconteceu recentemente com Kate Bush, que teve uma música sua de 1985, ‘Running up that hill’, de novo no topo das paradas, por conta de sua exposição na última temporada da série “Strangers things”. Neste caso, era a música favorita de uma das personagens, que a escutava num walkman em momentos cruciais. E usava walkman, porque a série se passa nos anos 80, o que motivou uma onda retrô.
Mas, que bom que isso tenha feito uma banda, que jamais foi comercial ou popular, como os Cramps (experimentaram um gostinho nos anos 90, quando tiveram clips exibidos na MTV) voltar a ser ouvida ou descoberta por quem jamais o iria fazer de outra forma. Porque, nenhuma musica deles jamais estariam nos tops streamings, ou sequer tocam em anúncios. Wandinha acabou, sem querer, criando uma espécie de ‘dancinha tik tok’, que ajudou a desenterrar a banda, extinta desde que o seu sobrenatural vocalista, Lux Interior (Erick Lee Purkhiser), morreu, em 2009. Sua viúva, a guitarrista Poison Ivy (Kristy Marlana Wallace), se recolheu em seu luto. E, assim foi, até que a dancinha de Wandinha (Jenna Ortega) ‘viralizou’.
Mas, antes disso, músicas dos Cramps (que lançaram oito álbuns de inéditas, dois ao vivo, dois EPs e quatro compilações, ao longo de 30 anos de carreira), já haviam sido usadas em cenas marcantes de dois filmes: “A volta dos morto-vivos” (“The return of the living dead”, 1985) e “Quando chega a escuridão” (“Near dark”, 1987). No primeiro, foi a então inédita em discos da banda, ‘Surfin´dead’ (numa cena na qual os zumbis atacam os protagonistas num cemitério, tudo a ver); e a segunda, num dos momentos mais marcantes do filme de Kathryn Bigelow (futura ex-esposa de James Cameron e ganhadora do Oscar por “Guerra ao Terror”, 2009). Neste, a magnífica versão que a sinistra banda fez para ‘Fever’, de Peggy Lee (regravada até sob a forma dance, por Madonna), toca numa cena inesquecível, num bar, quando os vampiros modernos se revelam pela primeira vez, para os desafortunados capiaus e bebuns que estavam lá. É a melhor cena do filme.
Embora Cramps e filmes de terror sejam quase sinônimos (vide os nomes de algumas músicas deles, como ‘I was a teenage werewolf’, ‘Human fly’, ‘Zombie dance’ etc), já que são pais e avós do psychobilly (essa mistura perfeita de punk rock com rockabilly com toques macabros), não tiveram muitas músicas utilizadas em filmes do gênero. Até porque, sempre gravaram por pequenos selos independentes (Illegal Records, I.R.S, Big Beat, Enigma, Epitaph, tirando este último, todos extintos) e, por conta disso, tiveram problemas de distribuição.
Contudo, por incrível que pareça, a banda fez uma aparição num episódio de halloween (claro), da série “Barrados no baile” (‘Beverly Hills 90210’), em 1995. Já ‘Goo Goo Muck’, que, no momento, faz sucesso entre quem nem era nascido quando eles se formaram, é uma rendição para música dos obscuros Ronny Cook & The Gaylads. Afinal, ao longo da carreira (e como diz o nome do primeiro álbum deles, ‘Songs the Lord taught Us’, ou ‘músicas que o mestre nos ensinou’), o Cramps sempre reverenciou nomes desconhecidos do rockabilly. E, agora, finalmente — como diz o título do disco mais conhecido deles –, foram ter um ‘date with Elvis’… no inferno, é lógico.