“Esquinas” demonstra mais do que evolução, a grandeza do duo ANAVITÓRIA

Redação Culturize-se

Esquinas

Uma celebração de uma década de trajetória musical exige um registro à altura da evolução que o tempo imprime. Em “Esquinas”, quarto álbum de inéditas do duo ANAVITÓRIA, o amadurecimento é tanto temático quanto sonoro, uma culminação de dez anos transformadores que levaram Ana Caetano e Vitória Falcão do “fofolk” encantador ao experimentalismo emocional e musical. Longe de ser apenas uma comemoração, o disco é uma reflexão sobre amores, identidades e a própria maturidade, encapsulando o que significa viver três décadas intensamente.

Logo de cara, “Se Eu Usasse Sapato” dá o tom do álbum. A escolha dessa faixa como abertura é um movimento ousado, sinalizando uma ruptura com o passado doce e linear que caracterizava o som inicial da dupla. Psicodélica e densa, a música se assemelha a um manifesto: este não é um disco que busca agradar às massas; é um convite para um mergulho profundo. É uma mistura que flerta com o progressivo e desafia as normas do pop tradicional, uma estrutura que prepara o ouvinte para a jornada agridoce que se desenrolará.

O tema da liberdade, que permeia o álbum, aparece também em “Minto Pra Quem Perguntar”, parceria entre Ana Caetano e João Ferreira. Aqui, o refrão otimista parece contrabalançar a vulnerabilidade da letra, criando uma dicotomia instigante. Os versos sugerem uma introspecção que ressoa com a experiência da maturidade: “Nem eu acredito em mim”, confessam. Essa complexidade se torna uma das marcas registradas do álbum. Ferreira, aliás, é coautor de cinco das 12 faixas, uma parceria que adiciona consistência à narrativa do disco.

Em “Não Sinto Nada”, o duo se une a Jorge Drexler para entregar uma música que, apesar de leve em sua sonoridade, é emocionalmente devastadora. A combinação de violões dedilhados e percussão dinâmica contrasta com os versos melancólicos que exploram o vazio de uma relação sem amor: “Você merece alguém que sinta o coração na ponta da língua segundos antes de te encontrar. E eu não sinto nada.” Esta faixa é um exemplo da habilidade de ANAVITÓRIA em mascarar dores profundas com arranjos sonoramente delicados, uma tática que permeia o início do álbum.

Entretanto, é em “Ter o Coração no Chão” que o álbum finalmente permite que as emoções aflorarem sem disfarces. Aqui, a declaração de amor simples e sincera (“Quero estar contigo. Nada mais.”) se casa com uma melodia que mistura elementos do pop e da MPB, trazendo uma sensação de conforto após o peso das faixas iniciais. É um momento de rendição, em que as artistas encontram beleza na rotina e nas pequenas coisas da vida.

Capa do álbum Esquinas
Fotos: Divulgação

Ao longo do álbum, a dupla demonstra que o amadurecimento não se limita às letras, mas também se reflete na complexidade musical. “Ponta Solta”, com sua introdução quase buarquiana, explora tensões emocionais e câmbios sonoros inesperados. Enquanto isso, “Espetáculo Estranho” traduz a leveza em tensão com arranjos nervosos e desafiadores. As experimentações também se manifestam em “Água Viva”, uma faixa que parece destinada ao sucesso, embora desafie categorizações.

É na parte final de “Esquinas” que a narrativa atinge seu clímax. “Eu, Você, Ele, Ela” traz uma nova camada de esperança, enquanto “Mesma Trama, Mesmo Frio” retorna ao tema da solitude, equilibrando os altos e baixos emocionais. Em “Quero Contar pra São Paulo”, o álbum alcança um tom quase solar, remetendo à obra de Cazuza, mas mantendo a identidade singular do duo. Por fim, “Navio Ancorado no Ar” encerra a jornada com uma reflexão profunda sobre as incertezas da vida.

É importante destacar que “Esquinas” não é apenas um álbum sobre crescimento; é também um trabalho que desafia as próprias limitações do duo. Embora a produção, conduzida por Janluska e Pege, consiga elevar a complexidade musical, o canto das artistas ainda permanece em um tom que remete à doçura juvenil. Essa desconexão pode ser vista como uma limitação em algumas faixas mais densas, mas também serve para reforçar a identidade que as acompanha desde o início.

É impossível não reconhecer o salutar progresso de ANAVITÓRIA em “Esquinas”. Cada faixa parece contar uma história, seja sobre os desafios da vida adulta ou sobre a liberdade que vem com o tempo. Para além disso, o álbum é um lembrete de que, na música, como na vida, as transformações são inevitáveis e necessárias. Ana Caetano e Vitória Falcão não são as mesmas de dez anos atrás. E isso é, de fato, um motivo de celebração.

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