Por Redação Culturize-se
Celine Song e Pedro Almodóvar representam visões distintas, mas complementares, do cinema, criando narrativas intrincadas que exploram emoções e conexões humanas. Song, uma voz em ascensão no cinema contemporâneo, conquistou corações com “Vidas Passadas”, um tocante mergulho no amor, no tempo e na memória. Já Almodóvar, um mestre contador de histórias com uma carreira que atravessa décadas, é celebrado por seus personagens vívidos e narrativas emocionais em filmes como “Fale com Ela” e “Tudo Sobre Minha Mãe”. Quando esses dois cineastas se encontram, sua paixão compartilhada pela arte de contar histórias resulta em uma troca profunda de ideias, unindo suas perspectivas únicas.
A conversa promovida pela revista Interview começa com uma reflexão sobre Nova York, cenário vibrante, mas abordado com contenção por Almodóvar. Song admira a maneira como ele retrata a cidade, destacando seu olhar peculiar. Almodóvar explica sua escolha de austeridade, resistindo à tentação de romantizar o horizonte icônico. “A história exigia contenção”, ele diz sobre seu primeiro filme em língua inglesa, o vencedor do Leão de Ouro “O Quarto ao Lado”; revelando que grande parte do filme foi filmada em interiores, com apenas vislumbres do esplendor da cidade. Mesmo com essas limitações, Song percebe o afeto de Almodóvar pelo lugar. “Dá para sentir”, ela comenta, um sentimento que ressoa com seu próprio amor por Nova York, onde ela se sente conectada aos milhões de habitantes em interações fugazes e silenciosas.
A conversa naturalmente se volta para a mortalidade, tema recorrente nos trabalhos de ambos. Para Almodóvar, a mortalidade é o pano de fundo em que seus personagens redescobrem a vida. Duas mulheres — uma que abraça seu destino com vitalidade e outra que luta com o medo — formam o núcleo emocional de sua história. Song conecta isso ao seu próprio trabalho, observando como enfrentar a finitude da existência frequentemente dá novo sopro de vida a seus personagens. Juntos, refletem sobre o paradoxo da morte: não como um fim, mas como uma lente que amplia a essência do viver.
O tema se desloca para a amizade, a intimidade silenciosa das conexões humanas. Almodóvar descreve o peso simbólico de “o quarto ao lado”, onde uma personagem, em seus últimos dias, pede a uma amiga para estar por perto — não para segurar sua mão, mas simplesmente para existir no espaço adjacente. Esse ato de companhia silenciosa comove profundamente Song. Isso reflete sua própria compreensão dos relacionamentos, nos quais diferentes pessoas oferecem forças únicas para situações específicas. “Não se trata de amar mais um amigo”, ela pondera, “mas de reconhecer quem pode estar com você em certos momentos”.
Almodóvar concorda, observando como os relacionamentos se adaptam ao contexto. Medo e bravura coexistem, especialmente diante da mortalidade. Essas dinâmicas nuançadas de amizade e apoio ecoam na filosofia de Song. Para ambos os cineastas, contar histórias é uma celebração desses laços intrincados e muitas vezes não ditos.
A conversa toma um rumo mais técnico, discutindo improvisação e a fluidez do processo criativo. Almodóvar compartilha sua preferência pela espontaneidade, relembrando um momento não roteirizado em “A Lei do Desejo”, quando uma mangueira de zelador se tornou uma expressão inesperada, mas perfeita, de desejo. “A preparação permite a espontaneidade”, ele afirma, um sentimento que Song compartilha. Em seu trabalho, ela também encontra em acréscimos de última hora — como uma cena crucial no quarto em “Vidas Passadas” — o potencial para transformar a narrativa. Ambos concordam que criar uma história exige adaptabilidade, ajustando diálogos e personagens como se ajusta um traje.
Esse ajuste vai além das palavras; até a fisicalidade de um ator pode influenciar uma cena. Almodóvar lembra de evitar planos amplos para uma atriz cujo andar não correspondia à essência de sua personagem. Song ri da precisão de sua abordagem, comparando os atores a cônjuges — escolhidos por suas qualidades, aceitos por suas peculiaridades. Dirigir, ela sugere, é um ato de amor profundo, um sentimento que Almodóvar endossa com entusiasmo.
Eles mergulham no equilíbrio delicado entre confiança e controle na direção. Song fala sobre criar um espaço seguro para os atores, permitindo que eles assumam riscos e abracem a vulnerabilidade. Almodóvar concorda, enfatizando a importância da confiança, do amor pleno pelos atores para que eles se entreguem ao papel. “Grandes performances”, ele diz, “vêm da ausência de medo, e a ausência de medo vem do amor”.
À medida que a conversa chega ao fim, fica claro que Song e Almodóvar compartilham mais do que uma profissão — compartilham uma filosofia. Para ambos, o cinema é um empreendimento profundamente humano, uma forma de explorar as complexidades da vida, do amor e da perda. Suas obras podem diferir em estilo, mas convergem na reverência pelas intricadas nuances da experiência humana. Em seu diálogo, vê-se não apenas a sabedoria de dois grandes narradores, mas também um testemunho do poder duradouro do cinema de conectar, iluminar e transformar.