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“Coup de Chance” é Woody Allen sombrio que ri dos caprichos da existência

Por Reinaldo Glioche

Woody Allen no set de "Coup de Chance"

O 50º e possivelmente último filme de Woody Allen é seu primeiro longa totalmente falado em francês. “Coup de Chance”, como suas mais recentes obras, estabelece um diálogo com sua filmografia e por meio deste permite-se perceber que, embora mais sombrio, Woody Allen encontra ângulo para ser otimista.

Estamos novamente diante de pessoas aparentemente boas que fazem escolhas ruins e de como o acaso prepondera nas interjeições da existência. Assim como em “Match Point” (2005), para muitos o filme mais vigoroso de Allen no século XXI, os caprichos da sorte estão no centro de uma fábula moral. E é salutar observar os pontos de similaridade e divergência entre as duas obras. Ou seja, o fã do cineasta tem uma espécie de faixa-bônus aqui.

Fanny (Lou de Laâge) encontra Alain (Niels Schneider), um antigo colega de classe e escritor, por um acaso nas ruas de Paris. Ele prontamente confessa que era louco por ela. A situação inusitada provoca risos desconcertados, claro. Mas Alain detecta possibilidades e vai se introjetando na rotina de Fanny. Que logo começa a viver um caso com ele.

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Fanny é casada com Jean (Melvil Poupaud), empresário de sucesso, conhecido por seu caráter controlador e suspeito de ter se beneficiado da morte de seu sócio. Ninguém sabe exatamente o que ele faz e esse mistério afere mais charme a sua persona, que Allen cuidadosamente pincela.

Fanny encontrou Jean logo após o fim de seu primeiro casamento e, sentindo-se confusa com o fim da relação, viu em Jean a estabilidade que precisava. Mas, Fanny percebe que não pertence ao círculo social superficial de seu marido. Ela começa a se sentir entediada com a vida luxuosa e sente falta de suas inclinações artísticas. É nessa brecha que a relação com Alain prospera.

A segunda parte do filme deixa o romance de lado e envereda pelo thriller. Isso porque Jean descobre que está sendo traído e resolve matar o amante da mulher. Seu plano é bem elaborado e a maneira confortável como ele se situa demonstra familiaridade com aquelas circunstâncias.

Com Alain fora de cena, Fanny, que estava inclinada a deixar Jean, se reaproxima do marido. Mas o protagonismo dessa segunda metade é de Camille (Valérie Lemercier), mãe de Fanny, que adora Jean, mais adora mais a literatura policial, e começa a suspeitar que o marido de Fanny pode ter algo a ver com o sumiço de Alain.

É salutar que a personagem seja fã de literatura policial e não de podcasts true crime, algo que nos devolve à bolha woodyalleniana em meio a padronização desse tipo de produto e isso importa porque dita o ritmo dessa metade final e reforça o aspecto fabular, essencial para o desfecho do longa.

Embora seja mais sombrio e insidioso das agruras existenciais, “Coup de Chance” (Golpe de Sorte no título nacional) tem lampejos de otimismo, ainda que Allen mantenha a convicção do absurdo da vida e de que a sorte – e o acaso – podem ser senhores da realidade.

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