Search
Close this search box.

Ciência problematiza o instinto materno e livro propõe rever dogmas sobre parentalidade

Em “O Mito do Instinto Materno”, autora se ampara em pesquisas para mostrar as transformações que o cérebro vive a partir da maternidade e põe em xeque conceitos enraizados na sociedade

Redação Culturize-se

Em Hollywood, o parto e os primeiros momentos da maternidade são frequentemente retratados como um turbilhão de drama, culminando em um momento abençoado de amor à primeira vista entre mãe e filho. Mas, para muitas, a realidade está longe dessa representação cinematográfica. Para Chelsea Conaboy, autora de “O Mito do Instinto Materno – Como a Neurociência está reescrevendo a História da Parentalidade”, que chega ao Brasil pela Companhia das Letras, a experiência foi muito mais complexa, repleta de ansiedade, exaustão e um processo de ligação gradual, em vez de instantâneo, com seus filhos. Em uma entrevista à CNN, Conaboy discutiu como sua jornada como mãe a levou a explorar a ciência por trás dessas experiências, desafiando as narrativas tradicionais em torno da maternidade.

A experiência de Conaboy de se tornar mãe contrastou fortemente com a versão idealizada frequentemente retratada na mídia. “O que recebi sobre o que significa se tornar mãe não era exatamente verídico”, explicou Conaboy. “Nunca foi realmente discutida de uma forma que eu pudesse refletir sobre o que essa mudança poderia significar para minha vida interna e meu senso de identidade.” Em vez disso, ela foi confrontada com expectativas sociais enraizadas no conceito de instinto maternal—uma ideia que sugere que as mulheres naturalmente e sem esforço assumem seus papéis como mães, equipadas com uma habilidade inata de nutrir e cuidar de seus filhos.

Chelsea Canaboy | Foto: Divulgação

Essas expectativas, observou Conaboy, vão além do comportamento e tocam em como as mães devem se sentir. “Não basta pegar um bebê, acalmá-lo ou saber como enrolá-lo em um cobertor. Eu deveria ter completa devoção, ser totalmente altruísta e ser capaz de superar qualquer medo através do ato de cuidar.” No entanto, sua realidade era bem diferente, levando-a a questionar essas crenças profundamente enraizadas.

O caminho de Conaboy para entender sua própria experiência como mãe começou com suas lutas contra a ansiedade materna. Dominada pela preocupação, ela recorreu à pesquisa em busca de respostas. “Comecei a pesquisar sobre ansiedade materna e descobri o quanto o cérebro é alterado pela maternidade”, disse ela. Essa pesquisa revelou que a parentalidade afeta profundamente o cérebro, não apenas para aqueles que experimentam distúrbios de humor ou ansiedade pós-parto, mas para todos os pais.

Aprender sobre essas mudanças foi um ponto de virada para Conaboy. “Isso reformulou toda a minha experiência. Eu ainda me preocupava com o bem-estar do meu filho, mas parei de me preocupar com a preocupação, ou de pensar que havia algo errado comigo, porque sabia que esses sentimentos faziam parte de um processo produtivo que estava acontecendo no meu cérebro e me ajudando a me adaptar a esse papel.”

Reescrevendo o roteiro da maternidade

Através de sua exploração da neurociência, Conaboy descobriu várias conclusões importantes sobre o cérebro dos pais. Uma das mais significativas é o papel da atenção no cuidado com os filhos. “A atenção é realmente o que nossos bebês precisam de nós, e as mudanças em nossos cérebros realmente nos compeliam a dar-lhes nossa atenção”, explicou Conaboy. Contrariando a narrativa simplificada de que a ligação com uma criança é um processo instantâneo e permanente, impulsionado por hormônios como a oxitocina, a pesquisa de Conaboy mostrou que o vínculo com uma criança é mais dinâmico e pode ser nutrido de várias maneiras diferentes.

Ela também destacou a flexibilidade nas abordagens de cuidado, desafiando a noção de que certas práticas, como a amamentação, são os únicos caminhos para formar um forte vínculo com uma criança. “Se você não amamenta, não significa que vai perder a oportunidade de criar um vínculo. Existem tantas outras oportunidades para se conectar.” Outro aspecto fascinante da pesquisa de Conaboy é a reavaliação do “cérebro de mãe”. Embora muitas vezes visto como uma condição degenerativa que prejudica a função cognitiva, novos estudos sugerem que a maternidade pode, na verdade, ter um efeito neuroprotetor, potencialmente retardando os efeitos do envelhecimento. “Os desafios da parentalidade podem manter o cérebro mais jovem”, observa..

Conaboy também explorou a história evolutiva da parentalidade, revelando que o ideal contemporâneo de cuidado materno é um fenômeno relativamente recente. “Aceitamos tanto essa ideia de que a família nuclear é a base da sociedade, mas não foi sempre assim”, disse ela. Historicamente, o cuidado era um esforço comunitário, com avós e outros membros da comunidade desempenhando papéis vitais. Essa abordagem coletiva à parentalidade moldou a evolução humana, tornando-nos seres mais sociais.

mother carrying her baby boy
Foto: Pexels

A conversa sobre parentalidade muitas vezes se centra nas mães, mas a pesquisa de Conaboy também lança luz sobre o cérebro paternal. “Sabemos que duas coisas moldam o cérebro dos pais: uma grande mudança nos hormônios e a exposição”, explicou ela. Embora as mudanças hormonais sejam diferentes para os pais, eles ainda experimentam transformações significativas em seus cérebros, especialmente à medida que passam mais tempo no cuidado direto de seus filhos. “Os homens também têm mudanças hormonais à medida que se aproximam da paternidade enquanto sua parceira está grávida, e após o nascimento do bebê, eles também têm picos de oxitocina quando interagem com seus filhos.”

Escrever “O Mito do Instinto Materno” não foi apenas um exercício acadêmico para Conaboy—foi uma jornada pessoal que a ajudou a se tornar uma mãe mais paciente e compreensiva. “O grande benefício que isso me trouxe foi me ajudar a ter mais paciência comigo mesma”, compartilhou. Livros sobre parentalidade frequentemente aconselham confiar em si mesma, mas Conaboy achou esse conselho problemático. “O que aprendi a confiar é no processo e a saber que cometer erros faz parte do processo porque nós, como pais, aprendemos com eles”.

Dando vida à ciência

A pesquisa de Conaboy revela que o cérebro passa por mudanças significativas durante a parentalidade—mudanças tão profundas, senão mais, do que as experimentadas durante a adolescência. A arquitetura do cérebro é alterada, com certas áreas ganhando ou perdendo volume e a conectividade se fortalecendo em resposta às necessidades sempre mutáveis de um bebê. Essa transformação não se limita às mães biológicas; qualquer adulto que assuma o papel de cuidar de uma criança pode experimentar mudanças neurológicas semelhantes. Conaboy enfatiza que a parentalidade é uma habilidade, algo que é aprendido e aprimorado através do ato de cuidar, em vez de ser um instinto materno inato, como tradicionalmente se acredita.

Um dos aspectos mais marcantes do trabalho de Conaboy é seu argumento de que o conceito de instinto materno é um mito. A ideia de que as mulheres são naturalmente equipadas com as habilidades e emoções necessárias para a maternidade não é apoiada pela ciência. Em vez disso, a parentalidade é um comportamento aprendido, que pode ser desenvolvido por qualquer pessoa, independentemente do gênero ou da conexão biológica com a criança. Essa perspectiva é particularmente importante, pois abre a conversa sobre a paternidade e os papéis parentais não tradicionais, destacando que essas mudanças não são exclusivas das mães.

O livro também aborda implicações sociais mais amplas. Ela defende a necessidade de desenvolver políticas que apoiem os pais durante a gravidez e o período pós-parto, como licença familiar remunerada, cuidados pré-natais e pós-natais abrangentes e melhor suporte à saúde mental. Conaboy critica a falta de políticas nacionais de licença familiar nos Estados Unidos, destacando que é um dos poucos países ricos que não oferece esse tipo de apoio.

O livro de Conaboy não é apenas uma compilação densa de estudos científicos; ele também é enriquecido por histórias pessoais—tanto dela quanto de outros pais e pesquisadores. Essas narrativas dão vida à ciência, tornando o livro acessível a leitores que podem não estar familiarizados com a neurociência. Ao tecer dados e experiências pessoais, “O Mito do Instinto Materno” oferece uma visão holística das mudanças profundas e muitas vezes irreversíveis que a parentalidade traz.

Deixe um comentário

Posts Recentes