Plataforma irá divulgar com mais detalhes dados de audiência e, com movimento, abre uma nova era de competitividade e possibilidades para um modelo de negócio cioso do mercado publicitário
Redação Culturize-se
Em uma iniciativa inovadora, a Netflix derrubou o véu que cobria seus dados de audiência, fornecendo um relatório abrangente sobre o desempenho de quase todo o seu catálogo de conteúdo original e adquirido. Essa divulgação sem precedentes abrange 18.000 títulos, ou 99% do catálogo da Netflix, durante o primeiro semestre de 2023. A expectativa é por um relatório como esse, que foi divulgado na semana passada, semestralmente.
Essa mudança em direção à transparência ocorre em meio a um contexto de apelos da indústria para a abertura de dados, notadamente defendidos pelo Writers Guild of America (WGA) e SAG-AFTRA durante suas recentes negociações contratuais. Embora o co-CEO da Netflix, Ted Sarandos, afirme que essa medida não é uma resposta direta aos sindicatos, a cronologia levanta suspeitas.
A decisão da Netflix de liberar dados tão extensos não é totalmente surpreendente, dada sua posição como pioneira em streaming, com anos de experiência e uma compreensão sólida de seus dados e métricas de sucesso. A gigante do streaming já liderou o caminho em transparência com suas listas semanais de Top 10, oferecendo insights sobre os títulos mais populares na plataforma. No entanto, este novo relatório semestral representa um passo ainda mais audacioso em direção à transparência, fornecendo uma análise detalhada do tempo de visualização para uma ampla variedade de conteúdos.
Embora os dados divulgados ofereçam insights valiosos, eles vêm com algumas ressalvas. A Netflix optou por divulgar horas visualizadas para cada título em vez de “visualizações”, uma métrica introduzida este ano para suas listas de Top 10. O uso de horas visualizadas pode prejudicar conteúdos mais curtos, favorecendo séries mais longas, especialmente dramas. Além disso, os dados divulgados não revelam quantas contas concluíram um título ou interagiram com ele além do primeiro episódio, informações cruciais para determinar o sucesso do conteúdo em plataformas de streaming.
Em prol do contexto
É importante contextualizar os dados, reconhecendo que eles abrangem apenas os primeiros seis meses de 2023. Essa limitação temporal impacta a avaliação de desempenho de títulos, favorecendo aqueles lançados dentro desse período. Qualquer título que se destaque entre os lançamentos de anos anteriores é notável e indicativo de sua popularidade duradoura.
O valor atribuído a um título está intimamente ligado ao investimento financeiro feito pela Netflix, seja por meio de produção original ou licenciamento. Taxas mais altas exigem uma visualização correspondente mais elevada para que o serviço de streaming o considere um sucesso. Essa perspectiva econômica lança luz sobre o processo decisório por trás de renovações e cancelamentos.
Examinar os dados fornece insights sobre as decisões de renovação e cancelamento da Netflix, alinhando-se à admissão da empresa de que tais escolhas dependem do desempenho versus custo. Notavelmente, o cancelamento de “Shadow and Bone”, apesar de estar em 26º lugar com 192 milhões de horas visualizadas, ilustra os critérios rigorosos para séries roteirizadas de uma hora com orçamento elevado. A estratégia de desempenho versus custo é exemplificada pelo sucesso de “XO, Kitty”, uma comédia de meia hora, com 200 milhões de horas de visualização e uma segunda temporada confirmada.
As raízes da Netflix em conteúdo licenciado permanecem evidentes, constituindo 45% da visualização de janeiro a junho de 2023. No entanto, os rankings dos Top 100 são predominantemente dominados por conteúdo original. “The Night Agent” emerge como o título mais assistido, ultrapassando 812 milhões de horas visualizadas, enfatizando a força da programação original da Netflix. O desempenho de “Crash Course in Romance”, um K-drama, destaca o apelo contínuo do conteúdo licenciado.
Os substanciais investimentos da Netflix em criadores como Shonda Rhimes e Ryan Murphy refletem-se no sucesso de seus programas. “Queen Charlotte”, parte da franquia “Bridgerton” de Rhimes, lidera o grupo com meio bilhão de horas visualizadas em seus dois primeiros meses. “Dahmer: Monster — The Jeffrey Dahmer Story”, de Murphy, e outras séries demonstram a duradoura popularidade desses principais acordos com showrunners de pedigree.
Transparência é um bom negócio
A jornada da Netflix em direção à transparência, conforme articulada pelo co-CEO Ted Sarandos, é representada como um continuum. Inicialmente, a gigante do streaming se abstinha de compartilhar dados extensos para evitar ajudar concorrentes ou colocar pressão indevida sobre os criadores. No entanto, Sarandos reconhece que essa falta de transparência gerou inadvertidamente desconfiança ao longo do tempo. O compromisso recém-descoberto com a transparência de dados é apresentado como um passo positivo para a Netflix, os sindicatos, produtores, criadores e a imprensa. Sarandos enfatiza que essa iniciativa cria um ambiente melhor para a colaboração e a compreensão dentro da indústria.
Apesar do ousado movimento da Netflix em direção à transparência, os desafios persistem. O relatório reconhece que mais de 4.000 títulos, assistidos por menos de 100.000 pessoas globalmente, ficam abaixo do limiar para inclusão nos gráficos. Esses dados, enquanto iluminam o extenso catálogo, também destacam a vasta gama de conteúdos que têm dificuldade em capturar a atenção do público. O desafio de promover e sustentar o interesse em uma infinidade de títulos permanece uma questão central no cenário de streaming.
Em um cenário em que as plataformas de streaming guardam cuidadosamente seus dados de audiência, a decisão da Netflix de compartilhar insights extensos lhe confere uma vantagem competitiva. Enquanto outras plataformas podem optar por seguir o exemplo, a posição da Netflix como a mais antiga e maior plataforma proporciona uma vantagem única. Sarandos reconhece que diferentes plataformas operam em várias fases de sua existência, indicando que a abordagem da Netflix para a transparência evoluiu ao longo da última década.