Redação Culturize-se
O cenário artístico de 2023 reflete uma significativa mudança de poder, marcada pelo fato de que os dez primeiros lugares na lista anual Power 100 da ArtReview são ocupados exclusivamente por artistas. Isso contrasta com uma década atrás, quando os mega-galeristas Larry Gagosian e David Zwirner disputavam a liderança, destacando a transferência considerável de poder no mercado de arte dos negociantes para os próprios artistas nos últimos anos.
Trata-se de uma mudança paradigmática e que ganhou propulsão ao longo deste ano. Muitos artistas estão abrindo mão da representação por galerias em busca de abordagens mais flexíveis na criação, marketing e venda de suas obras. A questão é até abordada de leve na sátira ao mundo da alta arte “The Kill Room”, filme que reúne Uma Thurman e Samuel L. Jackson.
Rachel Jones, artista baseada em Londres, cujas pinturas a óleo com bastão de imagens abstratas têm alta demanda desde que concluiu seu Mestrado em Belas Artes em 2019, deixou discretamente a galeria Thaddaeus Ropac no mês passado para explorar métodos de trabalho alternativos. Após três anos com a Ropac, ela não planeja mais ser representada por nenhuma galeria.
Em setembro, Jones apresentou sua primeira obra baseada em ópera, “Hey, Maudie”, encomendada pela organização sem fins lucrativos londrina The Roberts Institute of Art e apoiada pela Ropac. Em comunicado, Jones descreve seu tempo na galeria como “transformador” e expressa “orgulho” pelo que eles “realizaram juntos”. Ela acrescenta: “Estou explorando diferentes direções em minha prática e quero tirar um tempo para refletir e explorar isso de forma independente”. Enquanto isso, ela também trabalha para uma exposição no Museum of the African Diaspora em São Francisco, programada para abrir em março de 2024.
A busca de Jones por total autonomia é ainda mais marcante, considerando que ela está ainda nas fases iniciais de sua carreira. Para artistas mais estabelecidos, seguir por conta própria é, sem dúvida, uma perspectiva menos assustadora. Em fevereiro, Peter Doig, um artista com um mercado significativo e duradouro, anunciou sua saída da galeria Michael Werner após 23 anos de parceria. Parinaz Mogadassi, esposa de Doig e proprietária da galeria Tramps em Nova York, afirmou na época que Doig começou “a trabalhar de forma independente, não é representado por nenhuma galeria e não tem planos no momento de se juntar a outra galeria”.
A engenharia da autonomia
Quando a United Talent Agency (UTA), uma das chamadas “três grandes” agências de talentos com sede nos EUA, lançou uma divisão de belas artes em 2015, aumentar a autonomia dos artistas estava no centro de sua missão. O falecido advogado Joshua Roth, que fundou a UTA Fine Arts, disse na época: “Acreditamos que há espaço para uma estrutura séria e profissional de representação no mundo da arte, uma que ajude os artistas a obter maior controle sobre suas carreiras e abra portas para oportunidades novas e melhores”.
Os negociantes argumentam que sua profissão já fornece essa estrutura e mais, incluindo um ambiente de apoio, compreensão da história da arte e vínculos estabelecidos há muito tempo com museus e colecionadores privados. Contudo, à medida que o mundo das artes se aprofunda cada vez mais no varejo de luxo, moda, TV, cinema, música e até mesmo nos esportes, a parceria com agentes de talentos está se tornando cada vez mais comum para artistas de estúdio.
Um número crescente de agências boutique também surgiu como alternativa aos conglomerados. A empresária francesa Marine Tanguy fundou a MTArt em 2015. Graham Southern (ex-galerista da Blain Southern) co-fundou a Southern & Partners, descrita como “uma consultoria independente de gestão de artistas”, em setembro de 2020.
Há também os agentes individuais. Eles se proliferaram no metiê da representação ao perceberem a movimentação de fissura entre galerias e talentos. Além de lidar com as importantes tarefas de marketing e RP, os agentes podem ajudar os artistas a negociar com grandes corporações.
As redes sociais ampliaram a exposição dos artistas a um público massivo e os colocaram em contato direto com compradores e parceiros em potencial. Embora dados sugiram que relativamente poucas vendas são fechadas dessa maneira, a economista de arte Clare McAndrew destaca que o Instagram e outras plataformas de mídia social “podem muitas vezes ser usados como o canal inicial de descoberta para encontrar e descobrir novas obras e artistas, com a venda propriamente dita sendo feita por meio de uma galeria ou feira, em leilão ou diretamente do artista”.