Há muitos predicados na trilogia de Antoine Fuqua e Denzel Washington, mas o maior deles é a capacidade de chegar ao fim fiel à essência do original
Reinaldo Glioche
Denzel Washington abriu um precedente em sua carreira, mais ligada ao drama do que a ação ou à lógica mercantilista de Hollywood, para fazer “O Protetor 2” em 2018 e assim estabelecer sua primeira franquia. A decisão ajuda a dimensionar a série, que agora chega ao fim com o capítulo 3, tanto sob o prisma de sua filmografia, mas também na paisagem do cinema de ação moderno.
Por uma dessas coincidências, o primeiro filme foi lançado em 2014, ano que também viu a estreia de “De Volta ao Jogo”, filme que introduziu na cultura pop o personagem John Wick, que em 2023 viu chegar seu quarto filme e a série prequela “O Continental”. O desvirtuamento da franquia John Wick, que adquiriu muito mais popularidade em 2014, embora Wick e Robert McCall – o personagem de Denzel – sejam essencialmente o mesmo arquétipo, é outro elemento a bem dimensionar “O Protetor”.
A trilogia se encerra com integridade intocada. Os três filmes têm um norte muito bem definido e tem em Denzel Washington um artesão de rara habilidade que potencializa as possibilidades dramáticas com seu carisma e talento. A lealdade basilar ao personagem e ao que ele representa enquanto estrutura dramatúrgica não quer dizer que não haja margem para evolução. McCall que surgiu como um bom samaritano no primeiro “O Protetor” chega ao terceiro filme como uma espécie de bicho-papão que assombra bandidos sem eles sequer se darem conta (todos sabem quem é John Wick em um universo que parece enamorado de si mesmo).
Na concepção de “O Protetor” o anonimato do herói é um patrimônio inegociável e que dá mais charme a coisa toda. O público comunga de um segredo que irá se revelar atordoante para os vilões. A antecipação é extasiante!
Não obstante, McCall evoluiu como personagem – e o fato desse último filme se passar em Nápoles, na Itália, tangencia isso muito bem – em seu pathos por pertencimento e significado na vida de aposentado. Ou seja, a trilogia assinada por Fuqua soube o que fazer com seu protagonista, evitando o limbo criativo.
Uma doce reunião
Como se tudo isso já não fosse razão o suficiente para se engajar com “O Protetor 3”, o longa promove um reencontro entre Dakota Fanning e Denzel Wasington 20 anos depois de “Chamas da Vingança”, um desses filmes de ação que Denzel ressignifica por completo com sua densidade dramática.
No filme dirigido por Tony Scott, em 2004, Denzel fazia o guarda-costas de Dakota, então criança, e se lançava numa rota de destruição para recuperá-la após ela ter sido sequestrada sob seus cuidados. Agora, Dakota faz uma agente da CIA que McCall por razões misteriosas, pero no mucho, acolhe sob suas asas.
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A relação entre os dois personagens é repleta de mensagens e ligações enigmáticas. “Conversamos muito sobre o jogo de gato e rato entre Emma e McCall e como eles desafiam um ao outro”, diz Fanning em material divulgado à imprensa. “McCall se move pelo mundo com muito mistério, e Emma está tentando descobrir quem ele é, por que está lá, como ele tem o número dela e como eles estão conectados.”
Essa reunião tão doce para os atores e para cinéfilos dá ainda mais tempero para um filme de ação que não se avexa de ter um ritmo particular – Denzel tomando chás e passeando pelas vielas napolitanas é um mood -, e expor ao mainstream hollywoodiano como se encerrar uma franquia com integridade, talento e graça.