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Inteligência artificial traz desafios ao jornalismo e potencializa crise no modelo de negócio

Ferramentas ensejam apreensão entre profissionais, mas precisam ser compreendidas como parte de uma evolução natural que se dá desde a revolução industrial

Por Mariana Bueno

A inteligência artificial tem desempenhado um papel significativo no campo do jornalismo, transformando a maneira como as notícias são produzidas e consumidas. Através do uso de algoritmos avançados, a IA tem a capacidade de analisar grandes quantidades de dados e identificar tendências, padrões e insights relevantes em tempo real. Isso permite aos jornalistas acessar informações de forma mais eficiente e tomar decisões informadas na elaboração de suas histórias.

Além disso, a IA também é capaz de gerar conteúdo de forma automatizada, agilizando o processo de produção. No entanto, é importante destacar que, embora a IA ofereça benefícios significativos, também apresenta desafios éticos e de confiabilidade. A questão da imparcialidade, privacidade e transparência na utilização dos algoritmos precisa ser abordada de forma cuidadosa e responsável. É fundamental encontrar um equilíbrio entre a automação e a expertise humana para garantir a qualidade e a integridade das notícias.

Os parágrafos acima foram gerado pelo ChatGPT, ferramenta projetada para imitar o funcionamento do cérebro humano e capaz de criar textos ou imagens em questão de minutos. É um parágrafo que aborda o assunto de forma geral, trazendo pontos positivos e negativos. Mas não é confiável o suficiente, pois não há um aprofundamento, entrevistas, falas que complementem o tema e que passem credibilidade. Também não se sabe de quais fontes as informações foram tiradas. No jornalismo, a questão em relação ao futuro (ou mesmo ao presente) é se a superficialidade dos conteúdos será suficiente para quem produz e para quem consome informações. Ou se os textos mais elaborados ainda irão despertar interesse por terem informações mais detalhadas obtidas com a soma da observação da realidade e a consulta a especialistas, pontos nos quais o fator humano faz a diferença.

Chat GPT
Foto: NurPhoto

Com redações já precárias, qualidade hesitante e um debate sem consenso sobre publicidade digital e big techs, tudo indica que o advento de modelos tão disruptivos pode impactar a profissão, seja em curto, médio ou longo prazo. Mas, mesmo entre os profissionais da área e estudiosos do tema, as opiniões são controversas. Há quem veja a inteligência artificial como uma ferramenta que irá ajudar na criação dos textos e agilizar o trabalho dos jornalistas, mas há também quem enxergue o cenário de forma mais negativa.

Para Silvia DalBen, jornalista e doutoranda da Universidade do Texas em Austin, Estados Unidos, que há dez anos pesquisa sobre o uso e os impactos da Inteligência Artificial no jornalismo, o desenvolvimento de novas tecnologias e novas ferramentas vão, sim, mudar a rotina dos jornalistas, assim como de outras profissões. Mas ela não acredita que o ChatGPT possa vir a substituir os profissionais. “O Chat GPT tem uma base de dados e escreve a partir dessa base, que já parou de ser atualizada em setembro de 2021. E o jornalismo que trabalha com informações factuais tem que se preocupar cada vez mais com uma boa apuração, com as fontes que vai usar no texto”, pontua.

Já o jornalista Thássius Veloso, especializado em tecnologia, editor do Tecnoblog e comentarista da GloboNews, acredita que a IA levará ao fechamento de mais vagas em redações jornalísticas. “Por mais que essas discussões estejam acontecendo, a busca pela sustentabilidade do negócio fará com que os gestores de empresas jornalísticas deem mais chance para o emprego das ferramentas de IA. Imagine, por exemplo, pequenas publicações que não têm condições de expandir por meio de contratação. Elas poderão treinar a equipe atual para usar este recurso e, futuramente, até mesmo pensar em demitir parte dos profissionais. O cenário é de muita apreensão e receio em torno de um business que enfrenta muitos problemas”, afirma.

Em alguns lugares isso já vem acontecendo, ainda que apenas como uma experiência e não uma decisão definitiva. Em 2020 o jornal The Guardian, um dos mais lidos da Inglaterra, chegou a demitir parte da equipe de jornalismo, substituindo os profissionais por sistemas de inteligência artificial. Vários outros veículos têm seguido esse mesmo caminho. E não apenas no jornalismo digital ou nas notícias escritas. No Kuwait, foi criada uma apresentadora com aparência humana que passou a noticiar as informações no site de um jornal.

Mas afinal, o que é IA?

Quando se fala em inteligência artificial, muita gente tem uma ideia de robôs autônomos que vão substituir a capacidade humana, como costuma ser mostrado nos filmes. Mas, na verdade, a inteligência artificial engloba computadores, softwares e tecnologias que já estão presentes no nosso dia a dia há décadas. É uma coisa do presente e não apenas do futuro.

Dentro do jornalismo também já se usa muita inteligência artificial na produção de notícias. E desde o final dos anos 1990 houve a informatização – até então as redações tinham máquinas de escrever. Hoje é impossível pensar redações em que os textos não são escritos pelo computador. Existem também algoritmos de inteligência artificial por trás de plataformas que usamos frequentemente, como o WhatsApp, as redes sociais ou mesmo um motor de busca como o Google. Diante disso, como pensar, hoje, uma apuração jornalística sem usar essas tecnologias?

“Com a internet chegaram várias ferramentas que modificaram para melhor o dia a dia dos jornalistas. Por exemplo, hoje a gente está fazendo uma entrevista pelo WhatsApp. Eu estou nos Estados Unidos. Você está aí no Brasil. E, mesmo assim, a gente consegue conversar”, cita Silvia DalBen ao responder às perguntas que eu havia enviado para ela pelo aplicativo de mensagens. Ao receber as respostas em áudio, também fiz uso de uma ferramenta de inteligência artificial para transcrever todas as falas.

Para Veloso, o uso de IA também já é uma constante para algumas atividades repetitivas no dia a dia profissional. “Uso para pegar uma tabela e convertê-la para um formato que seja mais interessante para a história que desejo relatar. Antigamente, teria de fazer passo por passo do processo de converter, de maneira bastante manual. Agora eu consigo dar um comando, com os devidos ajustes, para que a IA faça este trabalho. Ela não me substitui, mas me auxilia em uma das etapas da produção de uma nova reportagem”, conta.

DalBen cita ainda outro exemplo: “Quando comecei a trabalhar, há 20 anos, se eu precisava fazer uma entrevista eu tinha que consultar um catálogo telefônico e um mapa da cidade. Eu tinha que buscar a rua e pensar o caminho que eu ia fazer. E muitas vezes eu errava esse caminho, então tinha que sair com uma antecedência maior, porque não sabia quanto tempo levaria. Hoje em dia há ferramentas como o Google Maps ou Waze e você tem informação em tempo real de trânsito. Te dão o caminho sem você ter que pensar. Você pesquisa sobre o tema e encontra as fontes no Google. Tudo isso mostra que é impossível hoje fazer jornalismo e apuração sem ter o uso de inteligência artificial”.

Ou seja, não se pode negar que as ferramentas de inteligência artificial são muito importantes e facilitam a otimização do tempo e diversas outras funcionalidades, permitindo fazer apurações jornalísticas de formas diferentes, mais ágeis e até mesmo mais aprofundadas. Vai depender da forma como cada um pretende usar.

Mudanças geradas por novas tecnologias

Embora o assunto venha sendo tratado como um fenômeno novo e moderno, vale lembrar também que a mecanização do trabalho não é uma coisa nova e que a Revolução Industrial já trazia essa substituição, com a mudança da rotina de trabalho dos profissionais de diversas áreas, gerando muitas apreensões.

Entre os meios de comunicação, foi assim com a chegada do rádio, da televisão, da internet e outros. E, no caso do ChatGPT, ele apenas popularizou uma tecnologia e as pessoas começaram a utilizar com mais frequência, mas as ferramentas automatizadas já existiam e já vinham sendo usadas há décadas, inclusive no jornalismo, em informações como a previsão do tempo.

O filósofo e professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) Filipe Campello ressalta que, independentemente da época, as novidades sempre trazem estranhamentos. “Quando inventaram a TV, achavam que as pessoas, enfim, iam ser fantoches. Antes ainda, no rádio, já tinham uma ideia do que o rádio poderia substituir. Então, sempre há esse tipo de preocupação diante do novo”, pondera.

A professora de Telejornalismo Tatiana Ferraz, que dá aulas na Faculdade Casper Líbero, tem uma opinião parecida. “Se a gente pensar na internet, quando ela começou também havia muita dúvida do que poderia acontecer. Então, acho que, como todo assunto novo, a inteligência artificial causa um pouco de pânico. Mas acredito que, com o tempo, pode ser melhor absorvido, assim como a gente teve em outros momentos, como quando surgiu a televisão e a própria internet… A gente sempre deve pensar uma maneira de utilizar esses recursos da melhor forma possível, para aumentar o conhecimento”

Ela conta que, nas faculdades, o tema inteligência artificial vem sendo abordado com os alunos como uma nova técnica, uma nova ferramenta para complementar outras características do estudo e da pesquisa. E que, embora o assunto ainda gere um grande medo, é importante não demonizar e nem endeusar esse tipo de técnica. “Eu não vejo vantagem nem desvantagem na inteligência artificial, eu acho que pode ser uma ferramenta importante, adiantar alguns tipos de pesquisa, fazer um jornalismo de dados, uma associação de dados que seria mais difícil investigar individualmente. Mas ainda existe o faro do jornalista, que é algo que a gente desenvolve na universidade e que é muito necessário na profissão”, diz.

Para ela, é importante haver uma associação da pesquisa feita com a inteligência artificial, com a intuição do profissional e a capacidade de apuração das informações que ele colhe. “Isso seria um caminho para que algumas reportagens saiam um pouquinho mais adiantadas. Mas a investigação e associação de fatos, a inteligência artificial não é capaz de fazer”.

Leia também: Afinal, a inteligência artificial é capaz de fazer arte?

Redação do The New York Times | Foto: Wikipedia

E como ficam as fake news?

Ainda que o processo de automação seja algo irreversível, muita gente defende que os jornalistas terão uma importância cada vez maior, pois atuarão como curadores, orientando os sistemas de IA com mais humanidade, sensibilidade e qualidade. Por outro lado, os próprios sistemas também tendem a ser aperfeiçoados em relação aos conteúdos gerados.

Silvia DalBen acredita que ainda não há respostas definitivas e que o momento atual traz um desafio que é repensar o que é um bom jornalismo e qual a função social da profissão. “Quando o jornalismo digital começou a surgir, no final dos anos 1990, e principalmente ao ganhar muita visibilidade a partir dos anos 2000, havia uma tendência de falar que os leitores não iam se acostumar a ler notícias nas telas e que o jornalismo digital deveria ter uma linguagem direta e não investir em apuração. Assim, surgiram muitos sites com notícias muito rasas, superficiais e sensacionalistas também, porque o jornalismo digital acabou repercutindo essa ideia de que você não podia fazer uma notícia profunda, uma investigação. Então, para esse tipo de jornalismo, que trabalha com textos curtos, rasos e títulos tendenciosos, querendo atrair o clique, esse tipo de robô pode produzir notícias assim e até gerar dinheiro. Mas é isso que é o jornalismo? É essa a função social do jornalismo?” questiona.

Para os profissionais, talvez as respostas sejam óbvias: não, não é isso o jornalismo. Mas, para quem consome notícias na internet, a velocidade e a objetividade das informações publicadas são fatores sempre levados em consideração, mais até que a própria confiabilidade dos fatos apresentados, o que abre caminhos para uma produção e uma divulgação ainda maior de fake news.

Afinal, da mesma forma como podem ser usadas para automatizar processos e ajudar em informações, as ferramentas de inteligência artificial podem ser usadas para a produção e compartilhamento de notícias falsas. “As tecnologias de inteligência artificial trabalham com geração de linguagem natural, geração de textos, e criam também imagens que são falsas e vídeos manipulados. Por isso acho que é preciso regulamentar o uso dessas tecnologias e ampliar ainda mais a alfabetização digital para os leitores conseguirem distinguir e não serem alvo desse tipo de tecnologia que pode produzir muito conteúdo falso e tendencioso, publicado só para manipular as massas”, comenta a profissional.

Campello vê essa questão quase como um paradoxo. “A máquina consegue criar até mesmo vídeos de maneira tão sofisticada que a gente não sabe mais o que de fato é real ou fictício. É paradoxal porque ao mesmo tempo que você torna mais sofisticada a criação, a própria máquina também não consegue detectar se o que ela faz é verdadeiro ou falso. E isso vai, sem dúvidas, impor outras questões, provavelmente no nível de algum certificado de autenticidade. A gente vai ter que encarar um modelo de identificação da criação, porque é um caminho também sem volta, não dá para fingir que a máquina hoje não possa fazer um trabalho que vai ter impacto no jornalismo”, diz.

Ele exemplifica citando que hoje é possível acompanhar em tempo real um jogo de futebol e fazer com que a própria inteligência artificial consiga narrar minuto a minuto e trazer a descrição do que está acontecendo em campo de maneira que se torne indistinguível se aquilo foi feito por uma máquina ou por uma pessoa. Mas isso não é um problema da máquina, é um problema nosso, que nós humanos (e, principalmente, nós profissionais do jornalismo) vamos ter que repensar. “O que é necessário se perguntar agora é como queremos esse avanço e, no momento em que houver essa substituição, o que é que vai sobrar para o jornalismo, para a profissão do jornalista”.

Outra questão que também dificulta ao distinguir o real do irreal é que o Chat GPT trabalha com inteligência artificial vendendo a ideia de que o conteúdo que produz é verdadeiro. “Me assusta a possibilidade de alucinação, que é quando a máquina inventa alguma informação, porém escrevendo de uma maneira que convence qualquer pessoa. Isso é perigoso não apenas para o jornalismo, mas para a educação de modo geral”, diz Veloso, que vê de forma negativa a forma como essas ferramentas utilizam um conteúdo que foi publicado na web aberta como se não tivesse dono nem autor.

O jornalista defende ainda que as big techs devam ser obrigadas a pagar pelo material que serve de treinamento para os grandes modelos de linguagem, a tecnologia por trás da inteligência artificial generativa. “Custa caro produzir informação de qualidade. E, do jeito que as coisas andam, a implementação da IA generativa tem o potencial negativo de destruir o jornalismo digital como conhecemos”, observa.

Não é difícil encontrar exemplos. Recentemente a ONG britânica “Hope Not Hate” fez um estudo que apontou diversos erros nos conteúdos produzidos por ferramentas de inteligência artificial. E muitos deles são conteúdos relacionados a temas que podem afetar de alguma forma a sociedade. Havia inclusive informações que negam fatos históricos, dizendo, por exemplo, que “o Holocausto nunca aconteceu” – e sem nenhuma observação que pudesse indicar se tratar de uma afirmação falsa.

Nos termos de uso do Chat GPT há um aviso dizendo que os serviços podem, em algumas situações, resultar em informações incorretas que não refletem com precisão pessoas, lugares ou fatos reais”. Mas, pela lei, isso não significa necessariamente que a empresa não possa ser responsabilizada pela divulgação de mentiras. E já há registros de processos movidos contra a OpenAI (criadora do Chat GPT) por divulgação de informações que não são apenas falsas, mas difamatórias. É o caso de Brian Hold, prefeito de  Hepburn Shire, em Victoria, na Austrália. Quando trabalhava no no Reserve Bank da Austrália – equivalente ao Banco Central no país -, ele denunciou um escândalo envolvendo funcionários de uma subsidiária da RBA, a Note Printing Austrália, que tentaram subornar governantes estrangeiros. Porém, o Chat GPT dizia que ele estava envolvido no esquema. O herói foi transformado em vilão.

As informações já foram atualizadas. Mas, se o caso avançar e se Hold tiver uma decisão favorável a ele, ainda que financeiramente não haja consequências significativas, o fato poderá abrir um precedente legal sobre a responsabilidade das empresas de tecnologia em relação aos erros e desinformação produzidos por IA.

Para quem consome informações – inclusive para quem também cria – é preciso cada vez mais ter senso crítico e entender como essas tecnologias vão ser inseridas no dia a dia da produção da notícia. E tem que haver ética para informar aos leitores o que está sendo feito, que tecnologias estão sendo usadas.

Novas tecnologias, novas questões

DalBen cita um comercial recente feito por uma marca de carros que recriou a cantora Elis Regina, falecida em 1982, com recursos de inteligência artificial, passando uma ideia de que Elis estaria viva atualmente ou que tivessem apenas resgatado imagens dela em um comercial antigo. Muita gente se emocionou ao ver imagens da artista ao lado da filha, a também cantora Maria Rita. Outros apontaram possíveis problemas que poderiam surgir caso iniciativas desse tipo se tornem mais comuns.

O Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) abriu uma representação ética contra a campanha, motivada por queixas dos consumidores. Entre os pontos levantados estão a possibilidade de causar confusão entre ficção e realidade, principalmente para crianças e adolescentes; o questionamento sobre se é ou não ético usar IA com a finalidade da propaganda, “revivendo” uma pessoa morta; e, ainda, o respeito à personalidade e existência da artista.

comercial com Elis Regina
Foto: Reprodução/YouTube

“Um dos problemas dessa campanha é que a marca não informa que utilizou inteligência artificial, que é essa tecnologia que vai produzir vídeos com o rosto de uma pessoa que já morreu. No caso da Elis Regina, a propaganda não deixa claro que a inteligência artificial foi utilizada. Precisava ter uma nota no final. Temos de pensar essas questões éticas”, opina a jornalista.

Saindo da publicidade e voltando para o jornalismo, outro ponto que pode ser abordado em relação ao uso da inteligência artificial é sobre a possibilidade (ou a falsa ideia) de que haverá mais tempo livre para os profissionais, já que não precisarão se empenhar para realizar determinadas atividades que hoje podem ser feitas de forma automatizada.

Isso traz novos problemas, como aponta o filósofo Filipe Campello. “Quando a gente tem mais tempo livre, a gente tem que enfrentar um problema, que na verdade é clássico, que é a distribuição da riqueza. Se eu tenho mais tempo livre agora, porque a máquina vai me substituir em determinadas atividades, como essa riqueza vai ser distribuída? É um problema ético e nós temos que nos perguntar como queremos viver, o que queremos com a tecnologia e como vamos distribuir a riqueza gerada por essa tecnologia. Se nós não enfrentarmos essas questões, elas vão continuar sendo respondidas pelas big techs, ou seja, por uma lógica de produção de capital orientada por um processo de geração de lucro”, observa.

O filósofo pontua, ainda, a questão do imitar o pensamento humano. “O que é realmente pensar? O que a gente tem hoje é uma base de dados gigantesca que vai produzindo novas informações. Mas o ChatGPT, a rigor, ele não cria, no sentido do pensar. Porque ele opera a partir dessa base de dados já disponível e compila informações. Se peço para o Chat GPT produzir uma peça teatral como Shakespeare, ele tem uma base de dados das peças teatrais shakespearianas que seria impossível para uma pessoa ter esse domínio completo. Agora, o que de fato significa a criatividade humana? É a possibilidade de criar como Shakespeare, não é só copiar no estilo dele”.

Tem sido complexo, também, entender quais conteúdos agradam ou não aos leitores e espectadores. Se antes as escolhas do público eram um parâmetro para medir a aceitação ou a popularidade das notícias, hoje os próprios algoritmos alteram essa percepção, já que mostram publicações direcionadas para as preferências que cada pessoa já tem.

Ao pensar na relação da inteligência artificial com o jornalismo, é necessário levar tudo isso em consideração e considerar também a questão financeira, já que o uso dessas ferramentas é bem mais baixo que o custo de um profissional, o que pode contribuir com o processo de esvaziamento das redações, que já vem acontecendo há alguns anos. Sem falar na rapidez, pois os mecanismos automatizados produzem, publicam e compartilham descrições e pequenos textos em uma velocidade que os humanos não conseguem reproduzir. Mas são casos em que o foco é apenas na audiência e no aumento dos números de acessos, sem levar em consideração a qualidade, a responsabilidade com as informações e as questões éticas. E sem pensar na importância da presença de um profissional para estabelecer critérios de relevância e confiabilidade na publicação de notícias.

Perspectivas para o futuro do jornalismo

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Foto: Pexels

Por outro lado, na contramão das notícias curtas e rasas com um grande alcance, surgiram sites que buscam desmentir e combater as fake news, publicando informações sérias e confiáveis sempre que algum fato distorcido ou mentiroso ganha grande alcance por meio das redes sociais ou mesmo de outros sites criados com o intuito de propagação de notícias falsas. E há novas iniciativas com foco em produções de textos mais robustos e completos sobre os mais diversos temas. “São iniciativas muito legais, que dão esperança. Mas é um tipo de jornalismo que leva mais tempo, que está buscando notícias que não eram escritas antes, que não segue a lógica desse jornalismo factual que foi durante décadas o modelo de negócios desses grandes conglomerados de mídia”, diz Silvia DalBen.

Ela comenta que, hoje, as iniciativas estão em busca de novos planos de negócio, novas fontes de financiamento, encontrando caminhos sustentáveis e até com mais liberdade de expressão. “Talvez seja um pouco utópico, porque elas nunca vão ter o poder que os grandes conglomerados de mídia têm, mas existe uma importância social muito grande do jornalismo e é isso que a gente tem que fortalecer, valorizando a informação bem apurada, uma informação bem escrita, uma informação embasada em fatos e menos tendenciosa”, diz.

E cita, ainda, que as iniciativas nativas digitais trazem novas perspectivas, notícias com abordagens diferenciadas que não só têm uma apuração cuidadosa e de qualidade, mas que trazem perspectivas sociais diferentes e um discurso não hegemônico, que luta também contra o patriarcado, que tem um discurso decolonial, uma perspectiva racial, de gênero e outras questões de diversidade, escutando fontes que não eram tão ouvidas pelos veículos mais tradicionais. Para ela, a crise não é da profissão em si, mas do modelo de negócio, dos grandes conglomerados de mídia. “Eu vejo a curto e médio prazo que essas tecnologias podem ser muito utilizadas para dar visibilidade e dar tração. Acho que é preciso pensar de forma positiva em como elas podem ser utilizadas para um bom jornalismo com informação de qualidade”, finaliza.

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