Mulheres criam obras inquietantes que ressoam profundamente em um mundo pós-pandemia, onde a ameaça onipresente da inteligência artificial permeia nossa consciência coletiva.
Redação Culturize-se
Adentre o quarto andar do New Museum e você se verá imerso em um reino de pesadelos que exala horror corporal. Encerrado em andaimes revestidos de plástico, existe um quarto sombrio e pútrido, uma grotesca fusão de câmara frigorífica e laboratório de cientista louco. No centro dessa macabra exposição, há uma visão assustadora: uma haste torcida, envolvida por membros sinuosos, assemelhando-se a entranhas retorcidas ou tentáculos assustadores. Lentamente, ela se contorce e se contrai, à beira de se despedaçar. De repente, os apêndices se soltam, lançando argila em qualquer pessoa que se atreva a observar – uma perturbadora liberação que evoca tanto repulsa quanto uma sensação inquietante de satisfação.
Essa obra perturbadora é criação de Mire Lee, uma jovem escultora sul-coreana que mescla a brutalidade mecânica do mundo industrial com a essência viscosa e biológica. Suas esculturas, vazando, contorcendo e exalando um odor desagradável, são difíceis de serem vistas, mas impossíveis de serem ignoradas. Notavelmente, o trabalho de Lee tem chamado a atenção de curadores renomados, sendo apresentado em eventos prestigiosos como a Bienal de Busan, a Bienal de Veneza e o Carnegie International.
Lee é apenas uma das integrantes de um grupo crescente de escultoras, principalmente mulheres, que mergulham no reino do horror corporal – uma tendência que reflete as ansiedades amorfas da vida contemporânea encarnadas nas anatomias humanas. Artistas como Isabelle Andriessen, Agata Ingarden, Hannah Levy e Dominique White utilizam o corpo como metáfora, buscando não apenas transmitir ideias intelectualmente, mas provocar respostas viscerais e sensoriais. Elas criam obras inquietantes que ressoam profundamente em um mundo pós-pandemia, onde a conscientização sobre a fragilidade de nossos corpos físicos e a ameaça onipresente da inteligência artificial permeiam nossa consciência coletiva.
O gênero do horror corporal encontra sua representação mais icônica nos filmes do diretor David Cronenberg, que imaginam futuros perturbadores em que tecnologias avançadas consomem aqueles a quem foram destinadas a servir. No entanto, enquanto as obras de Cronenberg refletiam a paranoia de uma geração criada pela televisão e sobrecarregada por medos sexuais, os artistas contemporâneos como Lee e seus colegas enfrentam uma paisagem mais incerta e ambígua. Eles não precisam mais imaginar um mundo distópico; ele já se tornou uma arrepiante realidade.
Enquanto esses artistas contemplam o futuro, suas criações incorporam estados de transformação, carregando o peso de um mundo cada vez mais dominado por telas e máquinas. As figuras humanoides de alabastro de Ivana Bašić, sustentadas e perfuradas por aço, assemelham-se a órgãos encolhidos ou Xenomorfos em espera. Elas capturam a fadiga e o desconforto que acompanham a vida em uma sociedade digitalmente mediada. Mas, em meio a essas mudanças, há o potencial de algo mais profundo: a libertação das restrições do mundo material e o retorno ao informe, inspirando esperança e apreensão.
Para outros, como a artista americana King Cobra (Doreen Lynette Garner), o horror é extraído do passado, não do futuro. Sua exposição “White Meat” apresenta esculturas inspiradas nos nove primeiros presidentes dos EUA, marcadas por feridas e furúnculos como um lembrete contundente das doenças trazidas pelos colonizadores europeus aos nativos americanos. O trabalho de Cobra mergulha na história, refletindo uma horripilante imagem do monstro que se esconde na sociedade. Sua arte obriga os espectadores a confrontarem as verdades macabras do passado, deixando alguns horrorizados e outros reconhecendo a grotesca realidade que se estende muito além dos limites de sua arte.
Nesse espectro de horror corporal, obras que confrontam os aspectos mais obscuros do passado e do presente da humanidade são nauseantemente chamativas. Esses artistas desafiam os espectadores a lidarem com verdades desconfortáveis, enquanto tecem uma complexa tapeçaria de emoções e sensações por meio de suas criações inquietantes.