Edson Aran
Ler quadrinhos nem sempre foi socialmente aceitável. “Nós não gostamos de quem lê quadrinhos por aqui, estranho”, diziam quando nós, os odiáveis nerds, entrávamos num bar. Hoje tudo mudou. Todo mundo pode exibir a nerdice e gostar até da série da She-Hulk. Não deve, mas pode.
Um autêntico esnobe, contudo, sabe exatamente o que dizer para não passar vergonha. A primeira coisa é saber a diferença entre Era de Ouro, Era de Prata e a Era de Bronze. É assim: a primeira vai dos anos 30 a meados dos 50 do século 20 e inclui clássicos como Flash Gordon, Príncipe Valente e Spirit, além de Batman e Superman, que nasceram naquele tempo.
A Era de Prata é também a Era Marvel (50-70), pois é quando a editora passa a dominar as vendas com Quarteto Fantástico, Homem-Aranha e Vingadores, embora essa fase histórica também inclua as versões “sixties” de Flash e Lanterna Verde, que são da DC.
A Era de Bronze começa nos anos 70 e traz temas adultos, quadrinhos underground e uma onda de autores britânicos como Grant Morrison e Alan Moore.
É claro que você não precisa ler 100 anos de HQs para entender essa história. Especialmente se tiver uma vida sexual ativa, coisa que geralmente não acontece com quem gosta de quadrinhos. Vá no básico. Da Era de Ouro, leia Príncipe Valente (1937), do Hal Foster (primor de texto e ilustração) e Spirit (1940), de Will Eisner (lição em técnica de narrativa). O restante (Popeye, Brucutu, Ferdinando etc) é muito bom também, mas deixa pra quando terminar o namoro.
Batman? Pule direto pros anos 80 com “O Cavaleiro das Trevas”, de Frank Miller (1986). O Batman pateta dos anos 60 é divertido e o Batman elegante dos anos 70 é bacana, mas podem esperar. O curioso é que, no mesmo ano em que saiu o quadrinho do Miller, foi lançado “Watchmen”, de Alan Moore e Dave Gibbons (1986), a obra que revitaliza e desconstrói o mito do super-herói. As duas HQs são muito diferentes, mas complementares. Moore é um libertário que condena o vigilantismo e Miller é um reacionário o defende.
Leia também: O Guia Esnobe da Arte Moderna
Superman? Esqueça a segunda metade do século 20 e vá direito para “Grandes Astros: Superman” (2005), de Grant Morrison e Frank Quitely, que captura a ingenuidade e o otimismo do personagem. É uma HQ nostálgica, pois as boas histórias do super são todas dos anos 50, antes de Lee Harvey Oswald, Vietnã e Watergate. Clark Kent não combina com nosso mundo cínico e cético e é por isso que ninguém constrói um filme decente com ele faz o maior tempão.
“Sandman” (1989), do Neil Gaiman, é uma longa e ambiciosa novela gótica. Sem ela, não haveria Harry Potter e outros derivados. Leia que vale a pena. E, se tiver tempo, veja “Patrulha do Destino”, do Grant Morrison (1989). Essas duas obras deram origem a Vertigo, o selo adulto da DC que lançou muito coisa boa e que não existe mais, infelizmente.
E, por favor, corra atrás de tudo que Jack Kirby fez. O cara é um dos maiores criadores de quadrinhos de todos os tempos e inventou, entre outros, o Quarteto Fantástico, Capitão América, Eternos, Novos Deuses, Etrigan e Kamandi. Também foi explorado e roubado por todas as editoras nas quais trabalhou, a começar pela Marvel do Stan Lee, que era o patrão dele e não o parceiro. Não acredite no que lhe contaram. Atualmente, 80% da obra do Kirby pertence à Disney (dona da Marvel) e à Warner Discovery (dona da DC).
Alan Moore costuma dizer que quadrinhos eram diversão para proletários produzida por assalariados que trabalhavam com paixão, mas ganhavam muito pouco. A incorporação das criações deles pelas megacorporações midiáticas do século 21 constituem, diz ele, um dos maiores roubos culturais da história. Pense nisso quando aplaudir o próximo filme de super-heróis.
PS: E atualmente? Quem ler? Fácil. Jonathan Hickman é um dos melhores roteiristas da atualidade. Ele trabalha para a Marvel, mas também tem obras autorais em editoras menores. Mark Millar, o cara que criou a versão moderna e cinemática dos “Vingadores”, tem um selo próprio ligado à Netflix. Ed Brubaker (texto) e Sean Phillips (arte) fazem em parceria algumas das melhores histórias noir que você já leu ou lerá.