Redação Culturize-se
Em 1982, em Paris, as cineastas e militantes francesas Delphine Seyrig, Carole Roussopoulos e Ioana Wieder fundaram o Centro Audiovisual Simone de Beauvoir (CaSdB). O objetivo era preservar e difundir o vasto material produzido por coletivos audiovisuais feministas desde o final da década de 1960, além de criar e distribuir novos filmes. O acervo do centro abrange uma coleção ampla, que inclui desde registros de conferências feministas e greves de trabalhadoras até obras que abordam temas como aborto, democracia, prostituição e estereótipos televisivos.
A partir desta quarta-feira (26), o Cinema do IMS Paulista apresenta a maior retrospectiva deste acervo já realizada no Brasil, intitulada “Arquivos, vídeos e feminismos: o acervo do Centro Audiovisual Simone de Beauvoir.” Durante os meses de julho e agosto, a mostra exibe 23 filmes e continuará ao longo do ano com novos programas mensais.
No dia de abertura (26/7), às 19h30, serão exibidos os filmes “A conferência sobre a mulher – Nairóbi 85” (1985) e “Os racistas não são nossos camaradas, nem os estupradores” (1986). Após a sessão, haverá um debate com a curadora da mostra e diretora-geral do CaSdB, Barbara Alves Rangel, a pesquisadora Rosane Borges e Glênis Cardoso, crítica de cinema e editora da revista Verberenas, dedicada ao cinema realizado por mulheres.
A maioria dos filmes apresentados foi produzida na década de 1970, período em que surgiram equipamentos portáteis de captação de imagens. Com essas câmeras compactas, os coletivos feministas puderam criar suas próprias narrativas, utilizando o audiovisual como ferramenta para mobilizar e disseminar suas lutas.
Por exemplo, em “A conferência sobre a mulher – Nairóbi 85”, uma equipe do CaSdB registra um evento paralelo à terceira edição da conferência da ONU em 1985, o Fórum das Organizações Não Governamentais, que reuniu associações de luta pelos direitos das mulheres de todo o mundo, incluindo o discurso de Angela Davis. A luta da ativista afro-americana também é abordada no curta “Genet fala de Angela Davis” (1970), que filma uma declaração pública em apoio a Davis feita pelo escritor Jean Genet logo após a prisão da ativista pela polícia americana.
Registros históricos
Entre outros registros de mobilizações, o curta “A FHAR – Frente Homossexual de Ação Revolucionária” (1971), de Carole Roussopoulos, mostra a primeira manifestação de rua gay e lésbica da França, em Paris. Já em “Com a palavra, as prostitutas de Lyon” (1975), a diretora filma um ato organizado em 1975, no qual um grupo de trabalhadoras do sexo ocupou a igreja de Saint-Nizier em Lion, discutindo suas histórias pessoais, relações com a sociedade e reivindicações.
O curta “É só não trepar!” (1971) aborda o debate sobre o aborto na França, desde a propaganda contrária nos meios de comunicação até a primeira grande manifestação a favor do aborto em Paris, em 1971, incluindo imagens de feministas realizando um aborto pelo método Karman. A questão da saúde também é explorada em “Trate de parir!” (1977), de Ioana Wieder, no qual várias mulheres criticam as práticas hospitalares de parto, questionando a ideia de “instinto maternal”.
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Um dos destaques é o documentário “Seja bela e cale a boca!” (1976), no qual Delphine Seyrig entrevista 23 atrizes de várias nacionalidades, como Jane Fonda e Maria Schneider, sobre suas experiências profissionais enquanto mulheres, seus papéis dramáticos e seus relacionamentos com diretores e equipes técnicas, denunciando as opressões de gênero presentes na indústria cinematográfica.
A programação também inclui documentários contemporâneos que reconstituem as trajetórias de Delphine Seyrig e Carole Roussopoulos, mostrando o encontro entre as duas, suas relações com o ambiente ao seu redor e as batalhas conduzidas com as câmeras em mãos.
A curadora Barbara Alves Rangel comenta sobre a seleção exibida na mostra: “Nos filmes propostos, o registro de testemunhos e vivências é consciente de sua importância para a transmissão da luta e da história feministas. Seja através de práticas de contrainformação bem-humoradas ou de vídeos institucionais, são obras que atuam como ponto de partida para o aprofundamento dos debates aos quais se propõem, não como um fim em si mesmas. A exibição desses filmes, que nada mais é do que uma continuidade da preservação dessas memórias, permite descobertas das intersecções com o tempo presente, sem perder de vista seu contexto histórico.”