Por Mariana Bueno
Um novo restaurante perto de casa. Uma praça revitalizada. Um shopping sendo construído. Prédios vendendo na planta apartamentos modernos. Infraestrutura melhorando. Essas são algumas situações que fazem os moradores pensarem que o bairro está sendo valorizado. E sim, está. Mas não é uma valorização benéfica para todos!
Essas melhorias, a princípio, podem parecer ótimas, pois serão novas opções de lazer, entre outras vantagens. Acontece que tudo isso acaba por elevar os custos das moradias, fazendo com que muita gente não consiga mais viver ali e tenha de se mudar para regiões com menos estrutura do que o bairro tinha inicialmente.
Assim, novos moradores com maior poder aquisitivo vão chegando. E a transformação acontece. Ou seja, todas as melhorias realizadas não têm como foco a população do bairro e sim os que ainda chegarão.
É o processo de gentrificação, muitas vezes colocado como sinônimo de progresso, mas que acaba gerando uma espécie de segregação socioeconômica, atingindo especialmente aqueles que moram de aluguel.
Por que a gentrificação é tão criticada?
O termo gentrificação foi descrito pela primeira vez na década de 1960 na Inglaterra, pela socióloga Ruth Glass, para indicar a migração de alguns integrantes da nobreza de Londres para bairros da cidade que, até então, eram ocupados pela classe trabalhadora. Com os novos moradores, a região ganhou novos serviços e passou a ser mais valorizada, inclusive com a construção de novas moradias.
No Brasil o fenômeno também não é novo, mas vem acontecendo cada vez mais, principalmente nas grandes cidades, onde grandes incorporadoras avançam sobre bairros mais pobres ou mesmo abandonados, com a perspectiva de torná-los mais atraentes para a classe média.
Além de novos empreendimentos imobiliários, há investimentos em comércios, serviços, opções culturais e também melhorias urbanas. Tudo para atrair novos moradores.
Esses são alguns dos pontos comuns, mas a gentrificação é um fenômeno mundial e há características específicas que podem mudar dependendo do bairro, da cidade ou do país.
De modo geral, a chegada dos moradores de classes mais altas faz com que os aluguéis fiquem mais caros, bem como os serviços oferecidos na região. E isso faz com que a população original não consiga mais se manter no local onde sempre viveu e nem usufruir das melhorias, tendo de buscar bairros mais afastados e mais baratos.
Tudo isso gera um grande dilema. As melhorias são bem-vindas e fazem parte do desenvolvimento das cidades. Mas, por outro lado, podem gerar uma especulação imobiliária que afasta os antigos moradores, refletindo em uma transformação do perfil socioeconômico na região.
Além disso, muitas vezes determinados grupos têm informações exclusivas sobre as melhorias que serão realizadas e passam a investir na região antes que as transformações de fato aconteçam, investindo pouco com a garantia de um lucro futuro.
Outra consequência negativa da gentrificação é o impacto no meio ambiente, já que com frequência áreas verdes são desmatadas para que sejam feitas novas construções. E a valorização de algumas áreas também implica em um crescimento descontrolado, o que aumenta a poluição, a degradação de espaços naturais, entre outros problemas, como o aumento de carros nas ruas e mais trânsito.
Exemplos de gentrificação nas principais cidades do Brasil
Nas grandes cidades brasileiras, especialmente nas capitais, as áreas mais centrais são exemplos clássicos de regiões degradadas, que entraram em decadência com o passar do tempo, mas que, pela localização estratégica – com mais opções de transporte público e facilidade de acesso a escolas, empresas, hospitais e espaços culturais – atraíram investimentos visando melhorias. Isso consequentemente resulta em mais segurança e também em valores mais altos.
Foi o que aconteceu com a região portuária do Rio de Janeiro, uma área de 5 milhões de metros quadrados que estava praticamente abandonada e, por meio de uma parceria público-privada (a maior já feita no país), passou por obras quando a cidade se preparava para receber jogos da Copa do Mundo de 2014 e a edição de 2016 das Olimpíadas.
O Porto Maravilha, também chamado Boulevard Olímpico, se tornou uma região moderna, segura e com ótima mobilidade graças à instalação do VLT (veículo leve sobre trilhos), uma espécie de bonde moderno que leva a diferentes pontos da cidade e dá acesso também ao metrô.
É, ainda, um espaço de lazer que atrai muitos turistas, com opções culturais, como o Museu do Amanhã e o Museu de Arte do Rio (MAR), áreas para passeios ao ar livre e locais de interesse turístico e histórico como o Largo de São Francisco da Prainha e o Circuito Pequena África.
Mais de dez anos depois do começo das obras, a região vem atraindo investimentos de incorporadoras para novas opções de moradias, o que deve atrair também novas opções de comércio. Entre as vantagens para as construtoras estão a infraestrutura pronta e a localização central.
No início de junho, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, publicou no Twitter uma matéria que citava o Porto como nova opção de moradia e fez alguns comentários: “Parece que está dando certo. Residenciais para tudo que é lado. Espaços antes abandonados são hoje os mais badalados. Mudança na dinâmica de crescimento da cidade”, escreveu.
A expectativa é de que esse movimento de valorização estimule também a recuperação das construções antigas, especialmente nos bairros da Gamboa e da Providência, que têm grande valor arquitetônico e não podem ser desfiguradas, mas precisam de investimentos e melhorias, seja para se tornarem moradias ou comércios.
Com as mudanças no perfil da região, há pessoas que moravam em bairros mais distantes da cidade e optaram por morar no centro, usufruindo das facilidades oferecidas. Por outro lado, a população mais pobre que morava na região acabou migrando para regiões periféricas e com menos infraestrutura, ou mesmo para morros.
A própria construção de estádios para receber jogos da Copa do Mundo de 2014 já provocou gentrificação em bairros de algumas cidades brasileiras, ainda que esse não tenha sido o objetivo principal. É o caso da região de Itaquera, na zona leste de São Paulo, onde fica a Arena Corinthians. Em alguns anos o valor do aluguel chegou a subir mais de 130% – segundo levantamento da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) da Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado de SP.
De acordo com dados da rede de pesquisas Observatório das Metrópoles, a estimativa é de que mais de 200 mil pessoas em todo o país tenham saído de suas áreas residenciais depois de projetos esportivos desenvolvidos para a realização de grandes eventos.
Ainda em São Paulo, um exemplo já consolidado é a Vila Madalena, na zona oeste da cidade. No século XIX a região era conhecida como Vila dos Farrapos. E até o fim da década de 1970, o bairro era formado majoritariamente por casas simples e habitado por pessoas de classe média-baixa.
Por ter residências com aluguel mais barato, começou a atrair estudantes e professores da USP e da PUC, que ficam próximas, e foi se transformando em uma região boêmia, com muitos bares e muita arte. Isso foi, também, mudando a média de renda dos moradores.
Aos poucos o bairro foi sendo verticalizado, com a construção de prédios, atraiu novos estabelecimentos comerciais e se tornou um lugar charmoso, com boa infraestrutura e qualidade de vida, áreas verdes, ambientes de lazer, espaços culturais e opções de transporte público, com fácil acesso a alguns dos principais pontos da cidade e a importantes vias, como a Avenida Paulista e a Faria Lima.
Hoje a Vila Madalena tem moradores de classes mais altas e é considerado um dos melhores e mais desejados bairros de São Paulo.
No Recife, em Pernambuco, um caso emblemático é do Cais José Estelita, no Centro, que tem gerado polêmicas. O terreno, onde ficavam armazéns/galpões, estações ferroviárias e a segunda linha de trem mais antiga do Brasil, foi arrematado por um conjunto de empresas que desenvolveu o projeto inicial, apresentado em 2012, prevendo a demolição de armazéns para a construção de mais de 10 torres de até 38 andares.
Foram muitas manifestações populares contrárias, que resultaram em uma ocupação no local, o movimento Ocupe Estelita, que também promoveu festas com artistas apoiadores da causa. Houve ainda ações da Defensoria Pública pedindo indenização para as famílias que foram removidas do local.
Depois de muitas disputas, um alvará foi emitido pela prefeitura da cidade e em 2019 os armazéns foram completamente demolidos. Assim, o acampamento dos manifestantes foi desmontado e as obras foram liberadas, com novas ruas sendo abertas e implantação do novo sistema viário. O projeto prevê ainda um parque no cais, às margens da Bacia do Pina.
Gentrificação divide opiniões
Se a gentrificação é algo positivo ou negativo, ainda é uma discussão que divide opiniões. Para muitos, é um processo natural de grandes cidades e até mesmo uma possibilidade de gerar melhorias, já que o surgimento de novos centros pode melhorar a economia local e a qualidade de vida. Para outros, não passa de uma forma de segregação social, já que as melhorias implantadas não são acessíveis a todos.
Há, ainda, quem defenda que a gentrificação acontece porque as regiões tradicionalmente valorizadas nas cidades não permitem que sejam feitas novas construções.
Para Guilherme Monte Costa, gestor de incorporação na Urbanizadora Paranoazinho, um dos fatores que leva à gentrificação é realmente esse desequilíbrio entre oferta e demanda de moradia em regiões mais centrais, de fácil acesso e/ou com oferta variada de serviços e empregos.
Segundo ele, isso é causado basicamente por restrições legais de adensamento dessas regiões, como zoneamento, índices construtivos e outros, o que limita a oferta de moradias em um cenário de demanda crescente. “Muitas pessoas querendo morar em determinados bairros, combinado com uma restrição de oferta de moradia, causa aumentos gerais de preços, forçando a migração dos atuais moradores para regiões mais periféricas. Esses, por sua vez, ao chegarem nessas regiões mais periféricas vão ocupando o espaço e afastando quem já está lá, pois agora são eles os causadores do aumento de preços, já que não querem se afastar tanto das regiões mais centrais”, pontua.
Assim, cria-se um movimento contínuo de espraiamento da cidade, com impactos no aumento dos deslocamentos e na infraestrutura, que precisa atender a regiões cada vez mais distantes. “É como quando você atira uma pedra em um lago. São movimentos concêntricos sucessivos, quase uma reação em cadeia”, compara.
Outro ponto destacado por Monte Costa, que é arquiteto e urbanista formado pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), é o fenômeno dos NYMBs (Not In My Backyard – em tradução livre para o português “Não no meu bairro”), que também contribuem para a dificuldade de adensamento das regiões centrais. “São comunidades pequenas, mas extremamente influentes junto ao poder público, que não permitem qualquer alteração de plano diretor e de normas urbanísticas em geral que possam de alguma forma alterar sua situação privilegiada, em detrimento do que é melhor para a cidade”, explica.
Ele cita como exemplo o bairro do Pacaembu, em São Paulo, região central na cidade, que tem lotes unifamiliares (casas), pouquíssimo densa (a título de comparação, todo a população do Pacaembu caberia dentro de dois edifícios Copan – prédio icônico na região central) e que se opõe a qualquer tentativa de adensamento da região.
O principal desafio, portanto, não é parar as modificações que a gentrificação traz. É entender o que pode ser feito, para garantir o melhor sem causar prejuízos à população.
Exemplos de gentrificação pelo mundo
Em outros países, há exemplos como o de Berlim, capital da Alemanha, onde o governo instituiu uma lei limitando o valor do aluguel dos imóveis em bairros que vinham passando pelo processo de gentrificação. Assim, as melhorias foram realizadas, mas a população conseguiu continuar morando no local.
No Brooklyn, bairro de Nova York ao leste de Manhattan, há uma medida semelhante. Já em Paris, na França, a solução encontrada pelo poder público foi a de estabelecer um limite no número de apartamentos que cada pessoa pode ter em um distrito. E, caso a ideia seja vender, é necessário que o proprietário ofereça primeiro para o governo, que costuma transformar esses imóveis em habitações sociais.
Em Barcelona, na Espanha, cidade que passou por uma revitalização no início da década de 1990 para receber as Olimpíadas de 1992 e, desde então, se tornou um dos principais destinos turísticos europeus, também há leis específicas para regiões que hoje são mais passíveis de passar por uma gentrificação.
Gentrificação x revitalização
Ao contrário do que muita gente pode pensar, a gentrificação é diferente da revitalização, outro processo que acontece bastante em determinados bairros e/ou espaços públicos, quando há investimentos na estrutura para deixar o ambiente melhor e mais agradável.
Embora a revitalização também atraia um novo público e também possa ter como consequência o aumento no valor das moradias, ela não tem primordialmente esse objetivo. Já a gentrificação realiza a transformação visando o lucro e não o usufruto público. O objetivo é deixar os lugares “mais nobres”.
Outra diferença importante é que a revitalização valoriza os moradores antes e durante o processo, de forma que as melhorias possam de fato melhorar os problemas apontados por eles, enquanto a gentrificação não costuma ter abertura para a participação popular.
A socióloga Gláucia Chaves, especialista em políticas públicas e direito público, lembra de um caso que foi tema do projeto apresentado por ela na pesquisa acadêmica “Construtores de Goiânia e suas condições de vida”, no qual identifica o caso da construção da Vila Operária na nova capital do estado de Goiás. “Os moradores pioneiros eram trabalhadores recrutados, em sua maioria, de outros estados, em busca de melhores oportunidades de trabalho e de vida. Como não tinham condições de adquirir um lote nas áreas regularizadas, formaram uma vila no entorno da região central”, relata.
Mas, em 1973, a Vila passou a ser bairro e, na medida em que a capital foi se desenvolvendo, os imóveis foram sendo valorizados e os antigos moradores (os operários) foram “expulsos” para outros bairros mais afastados.
Uma situação que ainda hoje se repete, com diferentes particularidades, por todo o mundo.
Há pontos positivos na gentrificação?
Para Monte Costa, o principal ponto positivo da gentrificação é a recuperação de áreas degradadas nos centros urbanos, como áreas industriais abandonadas, armazéns e terrenos públicos sem uso. “Seja via projetos públicos, privados ou parcerias entre os dois entes, retomar esses espaços e devolvê-los à cidade é uma excelente estratégia para adensar a cidade com qualidade, oferecendo moradia, serviços e empregos em áreas geralmente centrais e com infraestrutura já instalada”, afirma.
Para a socióloga Gláucia Chaves, também pode haver pontos positivos na gentrificação, como a significativa valorização dos imóveis e a melhoria na segurança pública das regiões.
Mas ela ressalta alguns fatores que considera importantes para que o desenvolvimento urbano dê continuidade sem provocar a “exclusão” de parte da população com pouco poder aquisitivo para outros espaços sem infraestrutura e sem políticas públicas: “o incentivo à participação popular nas decisões a serem aprovadas e o acesso de todas as camadas sociais às benfeitorias e serviços promovidas pelo poder público de forma democrática, além de ampliar modelos de construção de habitação social”, enumera.
Já Marina Toneli Siqueira, doutora em planejamento urbano e políticas públicas pela University of Illinois at Chicago e professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina, diz que não é possível conceber a gentrificação como tendo aspectos positivos. “É necessário compreender as origens e os possíveis efeitos de processos de reestruturação urbana para que a gentrificação não aconteça”.
Para ela, a gentrificação é algo que fala não sobre a qualidade do espaço em si, mas sobre o processo de alteração da composição social de um lugar. “Essa alteração pode ser identificada a partir do aumento da renda média familiar da população residente, do aumento do nível de escolaridade formal, da alteração no perfil profissional, da alteração no perfil de raça e etnia, da alteração no padrão de uso e ocupação do solo, dos aumentos de aluguel e preços de venda de imóveis, do aumento dos custos de comércios e serviços locais”, observa.
Ainda segundo Marina, mesmo que ao longo das décadas tenha se debatido as mudanças no processo e a validade do conceito para explicar diferentes contextos de transformação, a gentrificação sempre diz respeito a uma disputa pelo espaço na qual existem grupos sociais que não conseguirão permanecer. “Como em qualquer disputa, há vencedores e perdedores. Os perdedores acabam sendo expulsos pela valorização dos imóveis e até mesmo remoções diretas, entre outros fatores. Se estivermos dispostos a aceitar que a expulsão de certos grupos sociais pode ser tolerada por algum tipo de benefício urbanístico ou econômico, estamos pactuando com a desigualdade, a exclusão e a segregação socioespacial, estamos aceitando que espaços urbanos qualificados não são para todos”, afirma.
Relação entre a arquitetura e a gentrificação
Além de todas as questões sociais, a gentrificação apresenta uma série de desafios para a arquitetura e o urbanismo. Mas pode ser também uma oportunidade para que os profissionais da área desenvolvam seus trabalhos, já que a arquitetura está presente em qualquer projeto desse tipo.
De modo geral, é possível dizer que o processo de gentrificação precisa ser incorporado à arquitetura, com construções pensadas de forma estratégica para gerarem o lucro esperado para os investidores, mas sem prejudicar as pessoas que já vivem no local.
E, para abranger a todos, é necessário buscar soluções inovadoras. Por isso os urbanistas e arquitetos têm um papel fundamental na gentrificação.
Para Marina, em alguns casos mais tradicionais de gentrificação também é possível identificar a valorização de certas tipologias e estéticas da arquitetura que passam a atrair novos moradores/consumidores com perfil socioeconômico mais alto ou que se transformam em áreas turísticas que acabam por expulsar antigos moradores.
“Como forma de atuação sob o espaço construído com o objetivo de qualificar a vida humana, a arquitetura e o urbanismo devem estar cientes do risco da gentrificação e agir proativamente nesse sentido ao promover medidas conjuntas que evitem a elitização e a expulsão. Isso não será feito somente com a atuação dos arquitetos, mas com um trabalho conjunto, incluindo a participação de diferentes profissionais, grupos sociais e da ação pública”, explica.
Alguns cursos de Arquitetura e Urbanismo hoje já contam com disciplinas que abordam as dinâmicas migratórias e a ocupação de moradias, pois são situações que fazem parte do desenvolvimento das cidades.
Diante de algumas dificuldades, surgiu também o conceito de “urbanismo social”, que tem exatamente o foco na participação da sociedade civil na busca de soluções para promover um desenvolvimento integrado e adaptado às demandas de cada local.
Além disso, é um tipo de abordagem que acaba engajando os moradores para que se tornem agentes de transformação e sigam lutando pela manutenção das melhorias realizadas.
Tendências à vista
As tendências no mercado imobiliário brasileiro para 2023 são de crescimento, especialmente em relação às vendas de imóveis na planta ou em construção.
Muita gente, especialmente os que estão no mercado de trabalho, estão priorizando a localização. São pessoas que preferem opções de moradia próximas de serviços comerciais e com mais facilidade no transporte, ainda que para isso tenham de pagar um preço um pouco mais alto.
A gerente de projetos Tamires Guimarães é um exemplo. Nascida e criada no bairro Jardim Kagohara, região do Jardim Ângela, na Zona Sul de São Paulo, ela hoje mora na Vila Mariana, que fica na região Centro-Sul, próximo ao Parque do Ibirapuera, da famosa Avenida Paulista, além de ter bares, restaurantes e atrativos culturais.
“Me mudei principalmente pra ficar mais perto do centro, ter acesso mais fácil ao metrô e perder menos tempo com deslocamento. Mas a facilidade de ter lojas, comércios e serviços que preciso, todos na mesma rua, também é algo que eu, hoje, não abro mão”, conta.
Mesmo com valores mais altos que em seu bairro de origem, Tamires acredita que vale muito a pena. “Costumo dizer que se tem algo que pago com gosto é meu aluguel. Hoje moro onde eu escolhi morar e não ‘onda dá’. Para mim, essa é minha maior conquista”, diz.
Além da boa localização e da infraestrutura, depois da pandemia, que forçou todos a ficarem em casa, o bem-estar também se tornou uma prioridade de muita gente. A busca é por um ambiente agradável, com iluminação adequada, cores harmoniosas e outros detalhes.
Na arquitetura, os projetos com conceito de bem-estar estão se tornando cada vez mais populares. A ideia é projetar espaços que levem em conta a forma como afetam a saúde física e mental dos moradores. E que sejam melhores também para o meio ambiente.
Tudo isso aponta um sinal aberto para novos projetos de gentrificação, especialmente em bairros antigos e mais populares de grandes cidades, que são os mais visados.
Aponta, também, para novos caminhos na arquitetura. Mas há que se pensar em formas de evitar os grandes impactos, especialmente os socioeconômicos.
Como minimizar os efeitos da gentrificação
Marina acredita que é possível fazer um processo de qualificação urbana sem expulsar grupos vulneráveis. “Para isso é necessário, antes de mais nada, incluir e legitimar as diferentes vozes que compõem as cidades, desde os levantamentos de dados, passando pela concepção de projetos e programas e chegando até o monitoramento, implementação e revisão dos mesmos. Se esses grupos sociais são invisibilizados em favor de qualquer outro objetivo, eles também terão dificuldades em permanecer após investimentos públicos e privados”, explica.
Pensando no contexto brasileiro, ela defende que políticas públicas podem e devem ser mais efetivas para o melhor equilíbrio do desenvolvimento urbano. “Assim, é possível pensar em experiências que incluem incentivos também aos usos e usuários atuais e não só a novos usos; controles de aluguel, taxas e expulsões; monitoramento de usos e reserva de áreas para usos com diversidade de perfis sociais; promoção e estímulo à habitação de interesse social; manutenção e investimentos em serviços públicos; e promoção de atividades livres e abertas a todos, entre outros”.
Gláucia Chaves tem uma opinião parecida e acredita que é possível minimizar os efeitos da segregação socioespacial atenuando as desigualdades provocadas pelo processo de gentrificação e adotando medidas de planejamento urbano e de promoção à habitação.
Em relação à atuação das construtoras, ela cita dois artigos importantes do Estatuto da Cidade: o 43 e o 45. “Neles são previstos diversos instrumentos de participação direta da população na Gestão Pública. Desse modo, a população e seus interesses se integram ao processo de decisão, exercendo a cidadania e assegurando o acesso aos serviços de qualidade e de igualdade perante a lei”, defende.
Ela acredita que a melhor solução é que o poder público crie mecanismos de incentivo à participação cidadã nos Conselhos, permitindo assim que os cidadãos excluídos do processo político, econômico e social sejam incluídos.
Outro ponto destacado pela socióloga é referente ao crescimento desordenado nos grandes centros urbanos e o processo de migração do interior para esses centros, sobretudo pelos jovens que buscam oportunidades de emprego, qualificação e educação. “Considero importante haver melhores investimentos públicos nos municípios afastados dos grandes centros urbanos, incentivando a permanência dos jovens desde que tenham atrativos e oportunidades”, diz.
Monte Costa pontua também a importância de valores e condições mais acessíveis, mesmo nas regiões mais valorizadas. “Manter prédios mais antigos onde os aluguéis são mais baixos é outra estratégia que minimiza os efeitos da gentrificação. Pequenos comércios podem conviver com restaurantes finos no mesmo bairro, torres espelhadas comerciais podem conviver com prédios de escritórios dos anos 70”, opina.
Para ele, essa diversidade é rica não apenas para atender às demandas de moradia, serviços e empregos de todas as faixas de renda, do empresário à senhora que costura roupas, em áreas mais desejadas, mas contribuem também para a diversidade da paisagem urbana, que sempre é mais interessante quanto menos homogênea. Ele acredita que cabe ao poder público possibilitar e facilitar a atuação da iniciativa privada para que o mercado atenda à demanda existente, com mecanismos que possibilitem o atendimento de todas as faixas de renda. “A participação popular pode se dar também por meio de pressão nos seus representantes, vereadores e deputados, seja na proposição de projetos, seja em sua fiscalização”, conclui.