Fábio Montanari
Gentrificação era um termo que até alguns anos atrás estava restrito apenas à publicações específicas de urbanismo, e agora está cada vez mais familiar ao grande público. Até o divertido e despretensioso filme família “Vampiros X The Bronx” (EUA, Oz Rodriguez 2020) tem como tema principal a gentrificação. Filme com vibe anos 1980 que trata de maneira pouco sutil os males da questão, personificada por vampiros que querem transformar o tradicional bairro do Bronx em um covil para seus semelhantes.
O termo foi cunhado ainda nos anos 1960 pela socióloga inglesa Ruth Glass para explicar a situação sofrida por alguns bairros londrinos de trabalhadores de chão de fábrica. Hoje a definição é bem mais ampla e cheia de lugares comuns. Gentrificação ou enobrecimento urbano, em poucas palavras, é o processo de mudança de perfil de um bairro, de classe média baixa, para classes mais endinheiradas, expulsando a população local anterior.
A imagem mais comum que temos da gentrificação vem da cultura pop. Um bairro, normalmente de imigrantes ou outras minorias, com pequenos comércios familiares e charmosos, começa quase da noite para o dia, a receber um novo perfil de morador: artistas undergrounds, músicos, designers e arquitetos. A quitanda da esquina vira uma cafeteria orgânica e a lavanderia dá lugar para uma galeria de arte frequentada por barbudos com camisa de flanela. Os antigos moradores, que fizeram aquele lugar tão charmoso e especial, são expulsos do bairro pelo aumento exorbitante do aluguel, devido à crescente demanda de uma nova população endinheirada, transformando aquela comunidade num pastiche do que era. Apesar de ser próximo da realidade esse lugar comum, falta um termo importantíssimo nessa equação: a iniciativa privada. Afinal, o processo de gentrificação não parte do hipster e sua preferência por Latte de Soja; não foram os santa ceciliers com seus macramês que expulsaram a dona Mercedes da quitanda.
Analisar quais são os principais bairros onde ocorrem a gentrificação ajuda a entender como se inicia o processo. São locais normalmente centrais, antigos, com ótima infraestrutura já consolidada, porém que por algum motivo, passaram por um processo de desvalorização. Mooca, Santa Cecília, Pinheiros, Brooklin, Barra Funda são alguns dos exemplos mais recentes em São Paulo. Investidores enxergam nesses bairros uma mina de ouro, lotes baratos, com transporte público próximo e ampla infraestrutura, com alto potencial de valorização; basta apenas uma pequena “revitalização”, termo esse que camufla toda uma carga de desinformação, afinal, falta vida nesses bairros para precisarem ser revitalizados? Claro que essas “revitalizações” são feitas com dinheiro público, porém é a iniciativa privada que mais se beneficia com a valorização imobiliária, apesar de um discurso de que é o “melhor para todos”.
Vale lembrar que nas eleições de 2012, 53 dos 55 vereadores eleitos em São Paulo receberam dinheiro de campanha vindo de investidores do mercado imobiliário. O novo plano diretor da cidade foi aprovado em 2014.
Como solucionar essa questão que parece incontornável? Parece óbvio que qualquer benfeitoria no local vai causar a valorização do mesmo. Como melhorar um bairro e não expulsar a população residente? Ou devemos aceitar a gentrificação como um elemento natural do desenvolvimento urbano, e fazer do limão uma limonada? A ONU habitat, Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, propõe três soluções:
- Adotar políticas redistributivas, onde parte da receita ganha pela gentrificação seja usada em bairros menos favorecidos, afastados com potencial de crescimento.
- Fomentar pequenos negócios por meio do microcrédito, fornecer serviços comunitários, restaurar moradias degradadas e melhorar os espaços públicos.
- Reter a população existente, e seu tecido social, por meio de programas sociais para atividades tradicionais que organizem e desenvolvam atividades econômicas tradicionais
Há uma questão essencial a acrescentar, a origem da gentrificação, antes de tudo, está na desigualdade social. Numa grande metrópole essa desigualdade fica (ainda mais) evidenciada: existe uma falta de transporte de qualidade, parques, hospitais nas regiões periféricas onde estão as populações menos favorecidas. Isso faz da ocupação das regiões centrais uma caça ao tesouro, onde quem vence é quem tem mais dinheiro.