Escrito, atuado e dirigido por quatro integrantes da primeira residência artística do cineasta francês Claude Lelouch, longa traz cacoetes da Nouvelle Vague e tempero brasileiro
Por Reinaldo Glioche
A ideia de um filme rodado com iPhone não é exatamente nova, mas a ideia da plataforma como uma aceitação das imperfeições do filmar, dos enquadramentos, ao invés da acessibilidade inerente, talvez seja mais rara. E esse movimento está ligado à gênese de um projeto tão singular quanto essa recíproca. “La Parle” foi gestado na residência artística Les Ateliers du Cinéma, promovida pelo cineasta francês Claude Lelouch, vencedor da Palma de Ouro e do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por “Um Homem, Uma Mulher”.
Atuado, escrito (e rescrito conforme os ventos ditavam) por Fanny Boldini, Kevin Vanstaen, Simon Boulier e Gabriela Boeri, esta última brasileira, que atua em português e francês no longa. Os quatro também dirigem o filme que acompanha esses personagens, uma fusão de verdade e ficção, por uns dias na costa basca francesa.
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O lugar é famoso por reunir pessoas ao redor de La Parle, uma onda que, segundo a tradição local, revira sentimentos e traz resoluções. Fanny está na iminência de realizar um exame que pode lhe trazer más notícias sobre um câncer. Essa sombra projeta um ar de reflexão sobre os amigos, no que a personagem de Gabriela extrapola em cartas a sua avó. Em uma delas, confessa, que o “tempo das cartas é diferente”.
“La Parle”, o filme, navega com essa verdade como norte. Ao Culturize-se, Gabriela confirmou a ideia de brincar com essa temporalidade muito particular do cinema, os cacoetes da nouvelle vague, algo de esperar dada a gênese do filme, vieram no embalo.
Ela reconhece certa dificuldade para expressar emoções em francês, e este é um filme de emoções que precisam ser flagradas a esmo, mas observa que à medida que foi se apropriando do material – e o próprio filme virou uma coprodução entre Brasil e França, esse estrangeirismo foi virando uma tecnicalidade, embora haja um traço dramático valioso na jornada de sua personagem, uma ponte entre aqueles personagens e o público, não só o brasileiro.
Voltando ao iPhone, Gabriela faz coro à constatação de que a mobilidade oferecida pelo aparelho facilita a rotina de gravações. “Como estão todos, o tempo todo, com seus celulares, a gente passava despercebido durante as filmagens. Isso contribuiu para o tom documental do longa. Assumimos as imperfeições da imagem e também das nossas vidas, buscando transformar o ordinário em extraordinário”