Por Reinaldo Glioche
O Tinder, mais famoso aplicativo de relacionamentos, divulgou no início do mês uma pesquisa bastante parruda, e que permite oportunas inflexões, chamada “Future of Dating”. O principal insight, já aventado nesta reportagem publicada em abril em Culturize-se, seja como a Geração Z está promovendo uma mudança profunda e paradigmática na dinâmica das relações afetivas.
Mais da metade (55%) teve um relacionamento sério com alguém que conheceu no Tinder, enquanto 37% conhece alguém que tem um relacionamento sério por conta do Tinder. É uma estatística, até certo ponto, impressionante e que demonstra que esse público encara a plataforma como uma facilitador de outra natureza na comparação com millennials ou oriundos da Geração X (nascidos nos anos 70).
Alguns adjetivos ajudam a dimensionar essa realidade. Lealdade (79%), respeito (78%) e mentalidade aberta (61%) surgem à frente da aparência (56%) entre os critérios mais importantes na hora de escolher um potencial parceiro (a). 80% dos jovens de 18 a 25 anos concordam que o autocuidado é a maior prioridade nos relacionamentos, e 79% querem que os eventuais pretendentes sintam o mesmo. Cerca de 75% dos jovens dizem que acham mais atraente alguém que tenha interesse ou esteja trabalhando para melhorar seu bem-estar mental.
Por mais que seja fatídico que pesquisas como essa, conduzidas no ambiente de um aplicativo e com a nitidez de qual é a melhor resposta possível, impressiona o grau de convicção de um público que, nativo digital, parece valorizar conexões reais. O Tinder sustenta, em seu levantamento, que jovens de 18 a 25 anos têm 32% menos probabilidade de não responder a alguém do que aqueles com mais de 33 anos. Além disso, 77% dos membros do Tinder respondem os crushes em 30 minutos, 40% respondem em cinco minutos e mais de um terço responde imediatamente. Isso é ainda mais claro ao comparar como os millenials enxergavam os relacionamentos há dez anos: três em cada quatro pessoas de 33 a 38 anos (73%) concordaram que joguinhos – como se fazer de difícil, dar sinais contraditórios, e fingir que não tinha interesse – eram vistos como “normais” quando tinham entre 18-25 anos.
Mais alguns insights válidos da pesquisa:
- A aceitação e normalização de que, no fundo, todos nós somos cringe é uma das virtudes mais respeitadas pela geração Z: a autenticidade. 64% da pessoas jovens solteiras se sentem confortáveis com situações constrangedoras/desconfortáveis em favor da transparência.
- O bem-estar e o crescimento pessoal é a prioridade número 1 de 39% dos entrevistados
- 88% dos entrevistados que integram a Geração Z preferem não beber em um date
- 34% dos integrantes da Geração Z admitem que usariam inteligência artificial para criar um perfil imbatível em apps de relacionamentos
- Desde 2021, o Tinder teve um aumento de 30% em gêneros fora do binarismo de homem e mulher
E a tal situationship?
É difícil falar em relações menos líquidas quando há uma disposição em combater rótulos, mas talvez esse seja apenas mais um impulso de um millennial para rotular o que vê pela frente. Para a geração Z, o termo “date” é sinônimo de seriedade e de uma jornada que tem um objetivo específico (ou seja, um relacionamento). Já para as gerações mais antigas, o “date” é algo mais casual, sem um objetivo ou finalidade específica. A juventude prefere fazer amizade primeiro, para reduzir a pressão e aliviar o peso das expectativas. Mais uma vez, a geração Z não está descartando o interesse por relacionamentos românticos, apenas define essas relações de forma diferente.
Na verdade, apesar de as três principais características que as pessoas de 18 a 25 anos procuram serem companheirismo, amizade ou dates sem compromisso, 64% dizem que gostam da satisfação emocional que um relacionamento amoroso proporciona. Pode parecer contraditório, mas aí é o impulso do leitor de tentar encaixar tudo em rótulos pré-definidos. Mesmo nos relacionamentos casuais, a geração Z tem mais probabilidade de considerar que tudo começa como amizade e têm desfechos mais amplos, não especificamente românticos. Já os millennials ainda têm a tendência de associar algum tipo de intenção romântica aos relacionamentos casuais.
Relações menos líquidas ou menos relações?
Todo esse contexto nos leva à inflexão inicial do artigo, sobre a possibilidade de experimentarmos relações menos líquidas na sociedade contemporânea em um futuro próximo, capitaneados por essa mudança geracional impetrada pela Geração Z.
O especialista em insights sobre relacionamentos do Tinder, Paul C. Brunson, traz dois pontos que amparam à lógica em favor do argumento que ingressamos em uma era de mais pertencimento e conexão nas relações afetivas.
O primeiro aspecto é ascensão da masculinidade saudável. Com a valorização da inteligência emocional e do autodesenvolvimento como componentes essenciais de relacionamentos saudáveis, a geração Z vem desafiando as normas tradicionais de masculinidade. Os homens estão autenticamente mais vulneráveis.
O outro ponto observado por Brunson diz respeito à inclusão, traço fundamental para a consolidação de qualquer projeto em qualquer área e a geração Z é a mais inclusiva desde que esse papo e geração começou. Os relacionamentos LGBTQIAP+ estão crescendo consideravelmente devido a essa abordagem aberta em relação a identidade de gênero e sexualidade. “Essa geração tem uma compreensão diferenciada de identidade de gênero e sexualidade, e a maneira mais comum de casais do mesmo sexo se encontrarem é através de apps e online”.
Dá para dizer, portanto, que talvez tenhamos menos relações amorosas no contexto que as conhecemos e que talvez abandonemos (?), mas não necessariamente se trata de uma subtração. O que parece consensual observando não só esses números, mas a vida lá fora, é que o conceito cunhado pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, há 20 anos, pode estar começando a caducar.