Jovens nascidos entre 1996 e 2010 levam uma vida mais livre, mais voltada a diferentes experiências e, ao mesmo tempo, digitalizada e preocupada com o planeta
A adolescência é, por conceito, uma fase biológica de transição para a vida adulta. De forma subjetiva, é também a época de experimentar: ainda não se sabe, necessariamente, o famoso ‘quem se quer ser quando crescer’. Historicamente, é a juventude que, majoritariamente, encabeça revoluções e clama por mudanças sociais, querendo ver ficar para trás os conceitos ‘caretas’ das gerações anteriores. No passado, esses gritos de liberdade envolveram direitos, drogas e músicas. Para a Geração Z, a revolução se refere à sexualidade.
Os Gen-Z, como são conhecidos, são pessoas nascidas, em média, entre a segunda metade da década de 1990 até o início do ano 2010. No TikTok, rede social de vídeos curtos dominada por essa geração, além de mestres das dancinhas, eles são retratados como jovens que prezam por conceitos como o ESG (sigla para ambiental, social e governança) e que querem consertar a bagunça deixada por seus antepassados no mundo, que tem como maior e mais importante consequência o aquecimento global.
A antropóloga Sandra Amaral explica que esse é um fenômeno típico não apenas dessa geração, mas de praticamente todas as anteriores e possivelmente as que estão por vir. “É natural da evolução humana, olhar para os pais e os avós e entender o que eles fizeram de errado, o que dá para melhorar e o que eu não quero dessa vida deles para mim”, diz.
Segundo ela, muito dessa característica da Geração Z pode ser identificada no trabalho, por exemplo. É uma geração que está entrando no mercado de trabalho e não gosta do que vê: um ambiente profissional que causa ansiedade, estafa, estresse e que, não à toa, tem como consequência o adoecimento mental da população, principalmente os millennials – nascidos entre 1981 e 1995.
“Já se fala dessa nova geração como pessoas que não vão aceitar trabalhos sem propósito, que não aceitam regras sem questionar e que não têm medo de pedir demissão, por exemplo. Já é uma revolução do modo de viver e já causa um impacto em seu entorno”.
Geração livre e fluída
Essa característica mais livre e pensada em propósito se reflete de maneira bastante intensa na forma de se relacionar. Se a Geração Millennial já foi considerada ‘a geração mais gay’ da história, com mais pessoas assumindo sua homoafetividade, a Geração Z chegou para quebrar ainda mais paradigmas, normalizando cada vez mais a fluidez de gênero, as relações abertas e formas de amor que fogem à (até então) normalidade.
“Eu trabalho com jovens há muitos anos e já é bastante significativa a mudança de postura da Geração Z. Antes, os adolescentes tinham medo de se assumir até dentro do consultório, e agora tenho diversos pacientes que já chegam à primeira sessão me contando com quais pronomes devem ser chamados, qual nome usam e como se identificam. É claro que o preconceito ainda existe, mas a naturalidade com que se fala sobre a sexualidade e a identidade de gênero é notória”, afirma Rita Vela, psicóloga especialista em adolescência e sexualidade.
De acordo com uma pesquisa recente, divulgada pela organização sem fins lucrativos voltada para a população LGBTQIA+, Stonewall, no Reino Unido, a Geração Z é a que mais se identifica como ‘gay’, ‘lésbica’ ou ‘bissexual’. Também a forma de construir relações tem sido modificada: “em um primeiro momento, eles preferem não colocar rótulos aos relacionamentos, para entender o caminho que deverá ser seguido. Dessa forma, há muitos relacionamentos abertos, formas de poliamor e o chamado amor livre, que não tem barreiras. Não é a regra, mas é bastante comum”, ressalta Vela.
Geração digitalizada
É preciso considerar que a Geração Z foi a primeira que nasceu em um ambiente digitalizado, imersa à tecnologia. Um fator histórico que, certamente, muda a forma de se conectar com o mundo. “Esses jovens já nasceram em uma realidade globalizada. Para chegar a qualquer lugar, basta digitar os comandos no computador ou no celular. É uma experiência que não tem como outras gerações entenderem e isso impacta na forma de ver a vida e de enxergar as possibilidades que são, obviamente, infinitas. E é claro que isso se reflete nas formas de se relacionar”, diz a psicóloga.
Em um mundo tão aberto a possibilidades, é apenas natural que não se queira viver em uma ‘caixinha’ imposta pela sociedade. E parece que as gerações anteriores, que podem enxergar essa ‘rebeldia’ como sendo apenas uma fase, terão que se acostumar (e mais: se adaptar) a essa nova forma de encarar o mundo.
“A tendência é que essa liberdade sexual seja cada vez mais aflorada. É um caminho que faz sentido e que me parece ser sem volta. O binarismo imposto pela sociedade está sendo questionado e os jovens estão encontrando maneiras eficientes de quebrar essas tradições”, comenta Amaral.
E por ‘liberdade sexual’, como ressalta a antropóloga, não se lê apenas a fluidez no gênero e na preferência por amores e amantes do mesmo sexo ou não, mas também o próprio rechaçar da sexualidade.
“Vale pontuar que essa é uma geração que diz ‘não’ ao chamado ‘sexy’, que ressignifica o que é sensual no corpo alheio e em seu próprio e que não tem vergonha de se dizer assexuada – que experimenta pouca ou nenhuma atração sexual –, se for esse o caso. Essa eu considero como sendo uma disrupção importante porque, se analisarmos, o conteúdo sexual está em quase tudo na sociedade”, aponta.
O futuro dos Gen-Z
As descobertas, as dores, os amores, a sexualidade e a ânsia por liberdade e mudanças ainda estão, literalmente, na flor da idade, considerando que nenhum membro da Geração Z chegou aos 30 anos de idade ainda. Por isso, não dá para saber, ao certo, como esses comportamentos se desenrolarão em um futuro não tão distante. Mas a expectativa é que, mesmo com um pé mais fincado no chão, os princípios sigam sendo os mesmos.
Amaral ressalta que os jovens, de qualquer geração, sempre foram e sempre serão conhecidos por serem mais apaixonados e, até biologicamente falando, têm mais energia para realizar mudanças complexas, questionar morais e costumes e fazer experimentos. Mas, quando a vida adulta chega, as prioridades vão mudando e certas decisões precisam ser tomadas.
“Esse fator, porém, não importa tanto, porque a essência da geração costuma acompanhá-la pela vida toda, como vemos com os millennials, boomers e Geração X. Assim, a expectativa é que a Geração Z siga mais fluida mesmo, mais aberta e à procura de mais propósito até o fim de suas vidas. Resta apenas ver como e em qual intensidade isso se dará nas fases subsequentes e o que devemos esperar, inclusive, da próxima geração, a Alpha, que contempla pessoas nascidas a partir de 2010 e que já estão, elas também, entrando na juventude”.