Longa de Iberê Carvalho traz muitos temas, mas a polarização política – um de seus alvos – será a senhora do juízo sobre ele. Produção entra em circuito nesta quinta-feira (11)
Por Reinaldo Glioche
É de uma importância tremenda que o personagem principal de “O Homem Cordial” seja um homem branco, de classe média e artista. O que pode parecer estranho para muitos, quando se fala de um filme que tem como objetivo iluminar a injustiça social que talha o Brasil, é o que torna o longa de Iberê Carvalho uma experiência tão potente quanto indigesta – algo que deve ser perseguido pela arte.
Paulo Miklos, pós-doutorado em viver personagens que gravitam em torno da própria esquisitice, vive Aurélio, líder de uma banda de rock fictícia, Instinto Radical, que traz em suas músicas questões sociais. Depois de um hiato, o retorno da banda é afetado por um vídeo viral de Aurélio impedindo o linchamento de um adolescente acusado de roubar um celular.
Nas redes sociais, Aurélio é chamado de “assassino” porque o policial que perseguiu o adolescente foi morto pouco depois desse fato. O caso acaba politizado e gerando repercussões que Aurélio vai percebendo no susto e com muita contrariedade. Entramos na seara da cultura do cancelamento, mas o filme também aborda o jornalismo comunitário como contraponto às narrativas da grande mídia, o racismo – explícito e estrutural – e a brutalidade policial. A força motriz, entretanto, é mesmo esse processo de descoberta, de tomada de consciência, de um homem de meia-idade, que se reconhece em seu privilégio, mas que não é necessariamente um ativista.
Ritmo de thriller
As informações escassas sobre o episódio que deflagra toda a ação em “O Homem Cordial” é um movimento essencial para dois propósitos da narrativa. Confundir e estimular a audiência a julgar – e ponderar – sobre o que se vê na tela e viabilizar o longa como um thriller.
Trata-se de uma solução acertada por parte da realização, já que ao evitar o drama existencial, Iberê Carvalho se distancia da tônica do cinema brasileiro que aborda injustiças sociais. Além do mais, ele tem em Paulo Miklos um permanente foco de ebulição. Talvez por isso, o último take do filme seja tão sensacional no arranjo das incertezas do protagonista, mas também de um País, que não sabem exatamente como se comportar diante de tamanha convulsão.