Tom Leão
Quentin Tarantino acabou de emplacar 60 anos (no último dia 27 de março). E, já disse que: o seu próximo longa, seu décimo, será o último. Além de seus filmes, marcados pela extrema violência (beirando o caricato) e suas diversas citações a filmes baratos dos anos 1960 e 70 (principalmente, os exploitation movies, filmes B apelativos), ele também se notabilizou pelas suas excelentes trilhas sonoras de canções (não o score em si), que resgataram hits obscuros ou nem tanto, de bandas menos conhecidas (ou não) de décadas passadas.
Embora ele não seja o pioneiro nesta senda, o rei do filme trash, John Waters, já fazia isso antes — sua trilha para ‘Pink Flamingos’ é simplesmente espetacular –, foi Tarantino quem virou referência nesse tipo de trilha mista. A ponto, até mesmo, de inspirar bandas covers diversas (inclusive, no Brasil, como a paulista Tarântulas & Tarantinos, encabeçada por Luiz Thunderbird), com integrantes vestidos a la ‘Cães de aluguel’.
Taranta, cujas trilhas ficam na memória tanto quanto seus filmes, nos acostumou a associar certas cenas de seus trabalhos a uma determinada música. Foi assim, desde o seu primeiro sucesso, o citado ‘Cães de aluguel’ (‘Reservoir dogs’, 1992), numa cena na qual Mr. Blonde (Michael Madsen) tortura um policial ao som de ‘Stuck in the middle with you’, do Stealer´s Wheels, groove do começo dos anos 70.
Não sei quanto a vocês. Mas, para mim, nunca mais ouço uma sem pensar na outra (a música e a cena). Aliás, nenhum ruído ou anuncio de fundo, está à toa em qualquer filme do QT. Isso fica ainda mais patente em sua (pen)última obra, ‘Era uma vez… em Hollywood’ (‘Once upon a time… in Hollywood’), a maior bilheteria da carreira do diretor, até agora. Desde que os personagens de Brad Pitt (Cliff Booth) e Leonardo DiCaprio (Rick Dalton) na cena de abertura, entram no carro e ligam o rádio, tudo o que é dito, anunciado ou tocado, foi meticulosamente selecionado por Quentin. Tem até uma chamada do Batman da TV! E, tudo isso, está lá, na trilha (CD e vinil duplo) do filme.
A obsessão de Tarantino com suas trilhas, vai além da seleção de sucessos do passado para sonorizar suas cenas. Em seu ambicioso western, o épico ‘Os 8 odiados’ (‘The hateful eight’, 2015), o diretor queria porque queria que o score fosse feito pelo lendário maestro italiano Ennio Morriconne — artífice de trilhas marcantes do western-spaghetti –, que ainda estava vivo (morreu em julho, de 2020, aos 91 anos). Mas, este, mostrou-se um pouco reticente com o americano, com quem havia trabalhado (e não gostado) em seu western anterior (o primeiro do diretor), ‘Django livre’ (‘Django unchained’, 2012). O que Tarantino fez? Recuperou trechos não usados da trilha que Morriconne fez para ‘O enigma de outro mundo’ (‘The Thing’, 1982), de John Carpenter, e convenceu o maestro italiano a completar o score com mais algumas peças inéditas. Vale lembrar que: este, foi o único filme de Tarantino a contar com trilha sonora exclusivamente original e instrumental, sem uso algum de canções pop; e de que o diretor, já havia usado trechos e canções avulsas do italiano, em filmes como ‘Kill Bill!’ (2003) e ‘Bastardos Inglórios’ (‘Inglorious basterds’, 2009).
Mas, a trilha mais marcante de Tarantino foi a para ‘Pulp fiction’ (1994), o filme que o revelou para o mundo, para além das hostes do alternativo. Na mistura bem equilibrada de rock, pop e soul clássicos (de Kool & The Gang a Dusty Springfield), a trilha acabou catapultando uma banda alternativa dos anos 90, a americana Urge Overkill, que através de sua cover para ‘Girl, you´re be a woman soon’, de Neil Diamond, teve o maior (e único) sucesso de sua carreira. O que levou a banda até mesmo a vir ao Brasil, para o festival Hollywood Rock, em 1996.
Cada trilha de Quentin Tarantino é uma viagem no tempo e um mundo de descobertas. O que acabou influenciando a de filmes de vários outros diretores depois. Mas, nem todos tem a manha do Jerome (seu nome do meio) para fazer a mistura. Além de QT, Martin Scorsese é outro que dá muito valor à trilha sonora de canções. Ele, e David Chase (criador de ‘Família Soprano’), são fissurados por rock clássico americano dos anos 1960/70. Conhecem tudo! Mas, estes, ficam para uma próxima.