Até ser banido das campanhas publicitárias, o cigarro era um produto associado a um estilo de vida glamouroso, moderno e até saudável
Por Ana Carolina Pereira
No Brasil, a propaganda de cigarros nos meios de comunicação de massa está proibida desde os anos 2000. Mas, mesmo quem nasceu pouco antes ou depois dessa data certamente já se deparou com imagens da publicidade pró-tabaco vezes elegantes, vezes provocativas e muitas vezes icônicas, ganhando prêmios e se tornando conhecidas por décadas.
O cigarro era retratado como item de prazer, romantismo, virilidade e poder. O consumo do produto trazia a sensação de pertencimento, incluindo o usuário em um estilo de vida glamouroso, jovem e moderno e era utilizado até por quem não era fumante – mas queria aparentar ser.
O publicitário Pedro Correia afirma que, até hoje, as peças publicitárias que exaltavam o tabagismo são tidas como referência no mercado e que não podem ser ignoradas, em termos técnicos e de criatividade. “A indústria tabagista era multimilionária e investia também muito em publicidade, quase como um ciclo vicioso: quanto mais publicidade, mais vendas, quanto mais vendas, mais investimento em publicidade. Por conta disso, as possibilidades de criação eram praticamente infinitas”, diz.
Ele ressalta alguns elementos que parecem singelos, mas que fazem uma enorme diferença na percepção do público: a inserção, por exemplo, do cigarro em programas de televisão. “Todo personagem importante de filme aparecia nas telas dos cinemas ou das TVs fumando. Os protagonistas e os antagonistas, inclusive, tinham trejeitos diferentes na hora de acender ou tragar o seu cigarro. Eram formas distintas de induzir o espectador a desejar aquele produto. Isso é o ápice da publicidade: influenciar de forma natural, porém altamente eficaz”.
As campanhas de cigarro eram onipresentes
As campanhas que incentivavam o hábito de fumar estavam por todos os lados, como mostra o estudo “O Cigarro e o Mito: um estudo sobre o Merchandising da marca Marlboro”, feito por Camila Beaumord e Rafael José Bona: além dos comerciais de TV, o cigarro era retratado em jingles, outdoors, spots em rádio e anúncios impressos, sem contar os pontos de vendas e os patrocínios.
Essas divulgações se intensificaram depois da Segunda Guerra Mundial, comumente passando uma ideia de conquistas subjetivas e relacionadas à prática de esportes e até mesmo à saúde: o cigarro mais fumado por médicos, por exemplo, era uma realidade à época.
O estudo também mostra que uma pesquisa de mercado, feita em meados dos anos 1950, revelou que os habitantes das grandes metrópoles tinham saudades da vida no campo e do ambiente rural e de aventura. Assim, rapidamente surgiram campanhas que utilizavam a figura do famoso “cowboy da Marlboro” e semelhantes.
O cigarro, então, funcionava como uma imaginária que teletransportava os saudosistas e sedentos por liberdade e pradarias para o que passou a ser chamado de País Marlboro (Marlboro Country), mesmo que estivessem presos em uma reunião de trabalho ou no trânsito da cidade grande.
Vale relembrar que o cigarro era permitido nos mais diversos ambientes, como restaurantes, salas de cinema e aviões. Dessa forma, não havia restrição para a tal “viagem” e sensação de bem-estar química e emocional causada pelo produto.
O baque da saúde e o fim da publicidade tabagista
É claro que tudo isso só foi possível porque os males do cigarro ainda não haviam sido completamente expostos. Quando os riscos que o tabagismo traz à saúde foram sendo mais pesquisados e divulgados, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que o tabagismo deveria ser considerado uma pandemia que precisaria ser combatida imediatamente.
De acordo com o Ministério da Saúde, o hábito de fumar causa dependência física, psicológica e comportamental semelhante ao que ocorre com o uso de outras drogas como álcool, cocaína e heroína. Quem fuma, inala mais de 4.720 substâncias tóxicas, além de 43 substâncias cancerígenas, e mais de 50 doenças são relacionadas ao consumo de cigarro, incluindo câncer de pulmão, infarto e derrame cerebral.
Os Estados Unidos foram um dos primeiros países a começar a banir o cigarro dos anúncios, em 1969, mas ainda sem tantas restrições. Apenas nos anos 1990 a publicidade tabagista foi contestada de forma mais incisiva.
No ano 2000 foi proibida a propaganda de produtos derivados de tabaco em revistas, jornais, outdoors, televisão, rádios e patrocínios no Brasil. Em 2011, a regulamentação da Lei Antifumo proibiu a propaganda também em pontos de venda de cigarros, como padarias e lanchonetes, bem como o fumo em ambientes fechados.
Nessa época, um levantamento da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) mostrou dados impressionantes: a partir das restrições de propagandas de cigarro em massa, um em cada três brasileiros deixou de fumar. Desde então, a publicidade a favor do cigarro passou a ser substituída por campanhas do governo antitabagista.
A indústria do cigarro, desde então, segue tentando voltar aos seus anos de ouro, mas sem sucesso. Recentemente, em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou a proibição da propaganda comercial nas embalagens de cigarros comercializados no Brasil, que havia sido contestada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
No último Dia Mundial Sem Tabaco, comemorado em maio, a OMS classificou o cigarro como um problema que ainda vai persistir, mas ressaltou uma redução expressiva no número de fumantes em todo o mundo e no Brasil – nos anos 60, o país contava com cerca de 35% de fumantes e, hoje, o número fica em torno de 10% da população.
Para Pedro Correia, essa é a principal prova de que a publicidade (ou a falta dela) tem, de fato, a capacidade de mudar hábitos e influenciar pessoas – se é que havia ainda alguma dúvida quanto a isso. “Se os protagonistas voltassem a fumar e as redes sociais, que são os principais veículos hoje, fossem inundadas por anúncios pró-cigarro, eu tenho certeza que, por mais que as novas gerações sejam mais conscientes em relação à saúde e meio ambiente, por exemplo, as vendas de cigarro aumentariam de forma considerável. O desafio seria como trabalhar o apelo para que esse novo consumidor seja impactado. Mas muito possivelmente, talvez em menor escala, ele seria impactado”, conclui.