Tom Leão
Uma coisa leva a outra. Na coluna passada, comentei sobre o que foi considerado o pior filme musical da história do cinema, “A Maçã” (‘The Apple’, 1980). No relato, acabei lembrando de outros filmes de igual calibre, musicais pop/rock tão ruins que, às vezes, até viravam cult. Caso de ‘Xanadu’ (na revisão, achei ainda pior do que me lembrava). Acabei citando, como referência (não de ruindade), um musical que curti bastante quando adolescente: “Tommy”, a quintessencial opera-rock de Ken Russell (está disponível no streaming HBO Max).
Com composições vindas de um álbum conceitual do The Who (lançado em 1969, e com algumas de suas músicas apresentadas, pela primeira vez, no festival de Woodstock), e com Oliver Reed, Jack Nicholson e Ann-Margret, no elenco, “Tommy” (1975) é a ópera-rock referencial, ‘mãe’ de todas as outras. O filme, sobre um rapaz que, por conta de um trauma, fica cego, surdo e mudo e, na adolescência, vira o rei do pinball — e cria uma legião de fãs, que acaba virando algo próximo de um culto de fanáticos religiosos –, acabou por lançar a (breve) carreira cinematográfica de Roger Daltrey, o vocalista do The Who. Ele caiu muito bem no papel de Tommy, e nunca parece deslocado ou canastrão em cena. Como tem de falar cantando as próprias músicas de sua banda, foi, como se diz, um passeio.
Além das vibrantes músicas do The Who (que, aparece em cena, tocando e destruindo a aparelhagem, como costumavam fazer ao vivo), o filme tem performances marcantes de Tina Turner, como a Acid Queen (que tenta desvirginar Tommy e injeta drogas nele); Eric Clapton (que faz o padre, na igreja da Marilyn Monroe, cena considerada blasfema e cortada das cópias nos cinemas brasileiros); e Elton John, como o Pinball Wizard, na cena mais memorável do filme, cuja música foi também o maior sucesso da trilha, tocando sem parar nas rádios (e, foi o primeiro compacto simples que comprei).
Embalado pelo sucesso de “Tommy”, que, na época, teve boa bilheteria e foi um acontecimento — com direto a lançamento, nos cinemas, do sistema de som quadrifônico, para total imersão da plateia na odisseia sonora (aqui, passou assim em poucas salas), o diretor Ken Russell (que, antes, havia feito um musical de época, “O Namoradinho”, com a modelo Twiggy) e Daltrey, se uniram, mais uma vez, para fazer a extravagancia musical “Lisztomania” (1976).
Desta vez, não foi baseado em nenhum disco conceitual. No caso, Russell retratou o compositor e pianista húngaro Franz Liszt (1811-1886), feito por Daltrey — que toca todas as suas partes no piano –, como um rockstar semelhante ao dos frenéticos anos 70 — embora o filme seja passado na época de Liszt –, com algumas liberdades.
Na tela, Liszt é um popstar com as dimensões de um Jim Morrison (The Doors) ou mesmo de um Elvis, na mistura de sexo e carisma. Extravagante em cena, e com um séquito de seguidoras femininas (que, aliás, ele ‘traça’ com a voracidade de um maníaco sexual), a trama de “Lisztomania” foca na amizade/rivalidade que havia entre ele e o também compositor e pianista alemão Richard Wagner (feito por Paul Nichols, o malvado primo Kevin, de “Tommy”), que sentia inveja da fama e do sucesso sexual de Franz. Isso, antes do famoso musical ‘oscarizado’ “Amadeus” (1984), explorar tema semelhante.
Na época, “Lisztomania” foi considerado tão pesado pela censura brasileira (muitos falos, nudez, orgias, elementos religiosos), que nem chegou aos cinemas daqui, foi simplesmente banido, proibido. Só consegui vê-lo, duas décadas depois, na TV a cabo (quando o Warner Channel entrou aqui, e tinha uma sessão chamada ‘Bizarro’). O filme, tem no elenco outros nomes do rock, como o tecladista Rick Wakeman (então, no auge da fama), e o ex-beatle Ringo Starr, como o papa. O termo ‘lisztomania’, foi cunhado pelo poeta romântico alemão Heinrich Heine, e passou a designar frenesis coletivos semelhantes, envolvendo ídolos pop (como a beatlemania, por exemplo). E, o filme, foi o primeiro a ter a trilha sonora totalmente codificada no então novo sistema de som para cinema, o Dolby Stereo.
Animado por estas duas experiencias, Roger Daltrey tentou mais alguns filmes como ator. Mas, longe das loucuras das óperas-rock de Ken Russell. Foi o protagonista, no drama policial, baseado em fatos reais, “McVicar”, como o presidiário John McVicar. Apesar de o filme não ter sido exibido aqui, comercialmente, nos cinemas (nunca vi, nem na TV), uma das músicas de sua trilha sonora, a balada “Without your love”, cantada por ele, fez bastante sucesso nas rádios daqui, e ainda toca nos programas noturnos de flashbacks de rádios fm. Depois disso, Daltrey (que acabou de completar 79 anos, agora em primeiro de março) continuou fazendo pequenas participações em filmes para cinema e TV. Mas, logo voltou a se dedicar com tudo ao The Who, que está até hoje na estrada (veio aqui em 2017), no qual a sua performance em cena, é tão boa quanto nas telas.