Vitória acachapante do longa ratifica, ainda, feito sem precedentes da A24, estúdio que aposta em um cinema de grife que dialoga com as massas (e as redes sociais) sem deixar de ter pretensões artísticas
Por Reinaldo Glioche
As sete estatuetas conquistadas por “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” no Oscar 2023 têm muitos significados, mas o maior deles talvez seja o fato da Academia agraciar um cinema inclusivo, não só no aspecto da produção e das oportunidades para as minorias, mas também no eixo cinematográfico. O filme de Daniel Kwan e Daniel Scheinert é uma ficção científica que abraça o drama e o humo para se descobrir um longa de ação despirocado. É, por excelência, uma obra de gênero, algo historicamente depreciado pela Academia.
“Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” é, ainda, um filme independente que conseguiu ser popular pelas próprias forças e revitaliza aquela crença de que ainda espaço para produções originais em Hollywood. O triunfo do filme da “geração TikTok” é um triunfo de tudo isso junto e misturado. O Oscar é uma combinação instável de hype, campanha e afetos e em 2023 tudo parecia convergir para um filme que mobilizou opiniões apaixonadas.
Também nesse sentido, a vitória do longa dos Daniels é emblemática, já que na era do voto preferencial esse estigma costuma derrubar favoritos. O longa obteve ainda outro feito histórico na noite de 12 de março, já que se tornou o primeiro filme a ganhar a estatueta de Melhor Filme e mais três Oscars de atuação. “Rede de Intrigas” (1976) e “Uma Rua Chamada Pecado” (1951) haviam conquistado três prêmios de atuação, mas não lograram êxito na categoria principal. O filme da A24 levou 6 das 8 principais categorias do Oscar. Só não ganhou naquelas que não concorria (Roteiro Adaptado e Ator). Uma façanha sem precedentes!
Por falar em feitos sem precedentes, o Oscar 2023 aferiu a A24 algo ainda mais notável, já que o estúdio ganhou 7 dessas principais categorias – “A Baleia” que valeu a estatueta de Ator a Brendan Fraser é do estúdio -, inclusive, em todas as categorias de atuação. Feito inédito na história dos prêmios da Academia.
O estúdio já havia ganhado o Oscar de Melhor Filme em 2017 com “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, mas vitória maiúscula com “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” muda o patamar de um estúdio que aposta no cinema autoral e em um cinema comercial de grife. O filme dos Daniels conjuga essas características de forma bem-sucedida e a consagração no Oscar 2023 também é sobre isso.
Não é sobre os melhores do ano
Isso tudo para dizer que mais do que nunca, em 2023, o Oscar não foi sobre os melhores da temporada. Depois de fazer uma ótima seleção a partir de um ano especialmente fraco, a Academia preteriu os melhores filmes em disputa que ficaram sem uma estatueta sequer. “Elvis”, “Tár”, “Os Fabelmans”, “Os Banshees de Inisherin” e “Triangulo da Tristeza” foram os indicados na categoria de Melhor Filme que saíram sem prêmios. O maior número de mãos abanando desde a expansão da categoria principal em 2010. Foi também a primeira vez, nessa configuração, que o vencedor na categoria principal ostenta múltiplos estatuetas.
Com a internacionalização da Academia e a internalização de um sentimento missionário no cinema, mas especialmente no mundo, o Oscar passou a significar mais do que o reconhecimento de excelência na temporada. O fato de ser o melhor em disputa passou a ser quase que um supérfluo.
Essa condição não é exatamente um problema e, de certa forma, sempre foi latente no Oscar, mas intensificou-se muito nos últimos anos. A campanha que melhor souber fazer uso desse cenário sairá vencedora e, em 2023, é justamente esse o elemento a unir todos os vencedores. De “Navalny”, o oscarizado documentário, a Ke Hay Quan, o ator mirim que foi dublê e chegou a abandonar a profissão, laureado como coadjuvante pelo filme que esteve em todo lugar em todo o tempo nesta temporada de premiações.