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O guia do cinéfilo esnobe

Edson Aran

O esnobe é cool como um gaspacho, frio como um steak tartare e levemente ácido como um ceviche. Mas quem é esnobe, não conta pra ninguém. O exibicionismo destrói o charme da coisa e acaba confundido com elitismo, que é sempre cafona. O esnobe abomina a cafonice e tem ranço da breguice.

E ele jamais escreve a palavra “ranço”, é claro.

Uma das áreas mais interessantes para exercer o pedantismo é o cinema. Esnobe é aquele cara que, quando alguém cita David Lynch, vem logo com “Eraserhead” e jamais com “Veludo Azul”. “Twin Peaks” só se for a terceira temporada, que ninguém entende. Woody Allen? “Memórias”, nunca “Manhattan”. Jim Carrey? “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, jamais “Debi e Lóide”. Comédia física? Jacques Tati, nunca o “Mr Bean”, embora o Rowan Atkinson possa ser apreciado por “Blackadder”.

Cinema britânico é Ken Russell e os filmes de horror da Hammer, especialmente os que contém Christopher Lee. Mas, atenção, o melhor do Lee não são os Dráculas, mas sim “O Homem de Palha” (que é da Lion). A nova versão, “O Sacrifício”, com o Nicolas Cage, não deve sequer ter a existência reconhecida. As versões “autorizadas” são “Midsommar” e a minissérie “O Terceiro Dia”.

Aliás, preste atenção, um esnobe sabe que Stanley Kubrick, apesar de demasiadamente inglês, nasceu em Nova York. E que Alfred Hitchcock, demasiadamente californiano, nasceu em Londres.

Kurosawa sim, Godzilla também, mas o que pega mesmo é a Nouvelle Vague japonesa.

A Nouvelle Vague francesa é bacana aussi, mas sempre Alain Resnais, nunca François Truffaut. Jean Luc Godard? Claro que sim. Claude Chabrol? Claro que não.

Cinema Novo é Glauber, que deve ser sempre chamado pelo primeiro nome para demonstrar intimidade. Coppola é o “Francis”, Scorsese é o “Marty” e Fellini é “Il Maestro”. Mas cuidado! O bom esnobe sabe que Sergio Leone é muito melhor que Fellini e que, obviamente, Sergio Corbucci é superior a Sergio Leone.

Gênero cinematográfico é um campo minado, mas o esnobismo pressupõe trilhar caminhos perigosos. O trash só é trash se for lixo pra você. E o cult só é cult se você também cultua. Então é possível apreciar sem moderação western spaghetti, kung fu do Shawn Brothers Studios e filmes mexicanos com “Santo, El Enmascarado de Plata”. Alejandro Gonzaléz Iñárritu, Guilherme Del Toro, Alfonso Cuáron, para esses, o esnobe nem liga. Pedro Almodóvar é espanhol, mas entra no mesmo balaio. Você só pode gostar até “Mulheres à beira de um ataque de nervos”. Daí pra frente, esquece. Luis Buñuel… esse sim, pode ser apreciado sem moderação.

Volto ao tema qualquer hora para explicar como exercer o esnobismo musical. Dica: Ornette Coleman, cool. Miles Davis, manjado. 

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