Por Jéssica Stuque
Lançada há duas semanas, “BZRP Music Sessions #53” tem colaboração do produtor argentino Bizarrap e alcançou o topo mundial.
O tema da traição e do divórcio já haviam sido abordados em músicas recentes como “Te Felicito” e “Monotonía”, mas não de forma tão exposta, o que faz desta uma das músicas mais pessoais da cantora.
Na canção, Shakira surpreendeu ao falar abertamente sobre o fim de seu relacionamento com o jogador Gerard Piqué, a atual namorada do ex-marido e a relação com a sua ex-sogra.
Imagine poder transformar cada dor e trauma em canto. Bradá-los pelos quatro cantos, ser ouvida por milhões de pessoas que ou compartilham da mesma dor ou sentem empatia pelo seu sofrimento.
Certamente, expressar seus sentimentos é matéria-prima de todo artista. E há alguns que fazem isso de forma mais visceral. O psicólogo e músico pernambucano Samuca Luna explicou em entrevista a este portal como isso é visto pela Psicologia.
“Muitos compositores transformam dor emocional em música. Em Psicologia, chamamos de ‘sublimação’. É como ‘tirar’ a dor que se tem na cabeça e colocar em uma obra de arte.”
Samuca Luna, psicólogo
Toma lá, dá cá
O que alguns criticam, mas muitos apoiam é o nível da exposição.
A letra, em tom ácido, diz que Piqué deve exercitar mais o cérebro, deseja sorte para a “substituta”, alude à sonegação de impostos à qual ela foi acusada e se autoafirma na comparação com uma “novinha”.
Veja alguns trechos:
“Tanto que você dá uma de campeão/ E quando mais precisei, você mostrou sua pior versão/ Desejo que você fique bem com minha suposta substituta/ Ah, muita academia/ Mas treine o cérebro um pouquinho também”, canta Shakira.
“Eu não volto com você, nem que você chore ou me implore/ Eu entendi que não é minha culpa que eles critiquem você/ Eu só faço música, desculpe por ter espirrado em você/ Você me deixou como vizinho a sogra/ Com a imprensa na porta e a dívida no Tesouro”, ela diz.
“Você está tão estranho que eu nem consigo distinguir você/ Eu valho por duas de 22/ Você trocou uma Ferrari por um Twingo/ Você trocou um Rolex por um Casio”, canta.
São muitos sentimentos acumulados, após uma história de vida de 11 anos juntos e dois filhos. É como beber em um só gole um ‘drink do inferno’ e vomitá-lo. Tem amor, tem mágoa, tem ironia, tem revolta. E tem vingança. É uma espécie de acerto de contas, após a a humilhação pública.
Lançamento x intermídia
Shakira é uma figura pública, cuja privacidade se esfacela em segundos. Até o número de vezes que ela foi traída saiu na imprensa. O divórcio foi amplamente coberto pela mídia. Sendo uma faca de dois gumes (que por vezes ajuda a atacar e por outras é ferida), a exposição tira e dá forças.
O boom da música seguiu a novela midiática. Hoje em dia, é difícil não pensar em um lançamento de artista sem considerar a sua vida sob os holofotes, o quanto isso poderá ser replicado nas redes sociais e por aí vai…
Também não existe nada de errado em aproveitar algo da sua história pessoal para fazer uma jogada mestra de marketing. Os resultados falam por si só. Veja abaixo.
As mulheres não choram mais, elas faturam
O hit lhe deu um lugar de prestígio no ranking das plataformas de áudio. Shakira se tornou a primeira mulher latina mais ouvida do mês na plataforma de áudio, Spotify.
E seu clipe, que acumulou nada menos que 4 milhões de views em apenas uma hora, conquistou o título de maior estreia de uma música latina na história do YouTube, em suas primeiras 24 horas.
Enquanto Piqué posta fotos com sua atual namorada, ela dança mencionando o seu faturamento. Nesta sexta (27), a cantora postou um vídeo dançando. “As mulheres não choram mais, as mulheres dançam merengue”, a colombiana escreveu na legenda da publicação, numa brincadeira com o verso da música que diz “as mulheres não choram mais, elas faturam”.
E olha que o faturamento deve ser alto. Segundo cálculo do jornal argentino Clarín, em 24 horas, foram cerca de US$ 1.400 e US$ 22.900 faturados pela colombiana.
O clipe atualmente tem 220 milhões de visualizações que não param de crescer. Ou seja…
Faturamentos financeiros x custos emocionais
Ir da traição ao topo das paradas de sucesso e ainda lucrando muito parece ser o sonho de toda mulher que se sentiu lesada por um homem.
No entanto, a psicóloga Maria de Fátima José-Jesus, professora da Unifesp, alerta para o que esse tipo de forma de lidar com o trauma pode trazer.
Em entrevista à BBC, ela diz que expor publicamente uma traição em geral é um mecanismo de defesa para tentar controlar uma situação que saiu do controle.
Se vingar expondo a intimidade pode ser uma forma de soltar as emoções por meio da impulsividade, explica a psicóloga. A satisfação momentânea vem, mas a agressividade não ajuda a superar o trauma e a dor de uma traição.
Ou seja, Shakira pode estar dando vazão à raiva, mas o processo de luto interno se dá de outra forma.
Fátima explica também que uma traição é algo que tende a afetar a autoestima das pessoas. “Mas lidar com isso negando os sentimentos e falando em termos financeiros é uma forma errada de lidar com o sofrimento psicológico”, afirma.
Antes de recorrer a um sistema de defesa na impulsividade seria preciso procurar ajuda psicológica e pensar no efeito que uma exposição da intimidade terá sobre você e sobre outras pessoas – como filhos, por exemplo.
São muitas as opiniões e pontos de vista, mas no fundo só quem vive sabe.
Não podemos falar pelos sentimentos, traumas ou curas de Shakira.
Mas que a diva continua divando, isso é fato.
A que custo? Isso é só com ela…