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Os desafios contemporâneos do Ministério da Cultura

Nichollas Alem*

Já no dia 1º de janeiro de 2023, o presidente Lula honrou uma de suas promessas de campanha e recriou o Ministério da Cultura por meio da Medida Provisória n.º 1.154/23 e do Decreto n.º 11.336/23. Em seu discurso de posse, a ministra Margareth Menezes destacou o desafio da missão de refundar o órgão. Com efeito, vale lembrar que a pasta é objeto de sucessivas crises institucionais desde sua criação em 1985.

            Em abril de 1990, Fernando Collor de Mello fecha o Ministério da Cultura e diversas entidades a ele vinculadas. O órgão é recriado em novembro de 1992 com Itamar Franco. Em um passado mais recente, Michel Temer também o extingue em 2016. Apesar da decisão ter sido rapidamente revista, sua gestão foi marcada por sucessivas trocas de secretários. Já na gestão de Bolsonaro, o Ministério é mais uma vez encerrado, convertido em secretaria inicialmente vinculada ao Ministério da Cidadania e depois ao Turismo.

Foto: Talita Bristotti

            Esses sucessivos movimentos de extinção e recriação do Ministério possuem um efeito catastrófico na perenidade e desenvolvimento das políticas públicas na área. A cada fechamento, servidores são demitidos ou realocados, documentos deixam de ser disponibilizados para o público, iniciativas e projetos são suspensos, de modo que a experiência e memória institucional se esvai. Mesmo as políticas que continuam vigentes acabam sofrendo percalços e atrasos pelas mudanças burocráticas que afetam os seus usuários e a sociedade como um todo. Isso significa que a reconstrução do Ministério implicará em um grande esforço de reorganização de quadros administrativos, aprendizado de gestão e retomada de processos interrompidos pela mudança governamental.

As cenas lamentáveis de invasão dos três poderes ocorrida no último domingo (08/01), com uma ampla destruição do patrimônio cultural, impuseram a mobilização de servidores públicos ligados à cultura para avaliar o estrago ocasionado e possíveis medidas reparatórias. O fato pode ser citado como um exemplo de como a instabilidade no cenário político pode atrasar e dificultar ainda mais a reconstrução do Ministério, exigindo medidas reativas a contextos específicos e emergenciais.

Sob a perspectiva da política cultural em si, nos parece que a Ministra e sua equipe terão ao menos três desafios para o mandato. Em primeiro lugar, retomar o Plano Nacional de Cultura (PNC) como o instrumento jurídico de organização e racionalização da atuação do Estado neste campo. A Lei n.º 12.343/10, que institui o plano para o período de dez anos, foi prorrogada duas vezes no último governo, uma vez inexistente qualquer mobilização política efetiva para rediscutir suas metas e rever o documento considerando os desafios contemporâneos da cultura. Junto com o PNC, também deverão ser retomadas as discussões em torno do Sistema Nacional de Cultura, arranjo constitucional para organizar e integrar as políticas culturais dos entes federativos.

Ademais, devemos retomar que o setor cultural foi um dos mais duramente atingidos pela pandemia do COVID-19. Espaços culturais foram fechados, empresas encerradas, muitos projetos interrompidos e, infelizmente, muitos artistas e profissionais faleceram da doença. Além das perdas humanas e culturais, a própria cadeia econômica do setor foi impactada negativamente.

Sabe-se que o setor cultural possui um forte dinamismo econômico, com alta capacidade de crescimento, geração de empregos, impacto na arrecadação de tributos, entre outros efeitos positivos. Porém, há um desafio de como reestabelecer e ativar economicamente a área de forma duradoura e sustentável. As Leis Aldir Blanc 2 (Lei n.º 14.399/22) e Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar n.º 195/22) trazem a previsão de recursos para área, gerando o maior orçamento da história do Ministério. A execução efetiva de tais montantes, que deverão ser manejados com a participação dos Estados e Municípios, constitui um outro desafio em si.

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, toma posse, em cerimônia no Museu Nacional da República, em Brasília. |Foto: Valter Campanato

Finalmente, considerando as crises institucionais mencionadas anteriormente. Nos parece que o Ministério deverá pensar em iniciativas que possam perdurar como políticas de estado e não de governo, ou seja, durar independente de eventuais reorganizações burocráticas. O Programa Nacional de Apoio à Cultura (Lei n.º 8.313/91), popularmente conhecido como Lei Rouanet, conseguiu sobreviver ao governo Bolsonaro mesmo com as latentes críticas feitas pelo então presidente e seus apoiadores ao instrumento – sobretudo pelo seu status legal. Hoje, tramitam no Congresso dois outros projetos de lei muito relevantes para a área: o marco legal do fomento à cultura e a proposta de regulação do vídeo sob demanda (as plataformas de streaming de conteúdo audiovisual).

A aprovação dessas medidas é fundamental para que exista um incremento na política e no direito da cultura, em prol do desenvolvimento cultural e demais finalidades constitucionais. Esperamos que a Ministra tenha sucesso em articular e superar os desafios que se impõe, colocando a cultura como objeto central da política pública e da ação do Estado. A cultura não apenas é um vetor estratégico de desenvolvimento nacional, mas a sua preservação, promoção e difusão fazem parte dos objetivos previstos na Constituição Federal.

*Advogado na área da cultura e do entretenimento. Doutorando em Direito Econômico da Cultura pela USP. Fundador e Presidente do Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes.

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