Redação Culturize-se
Dormir bem é muito mais do que repousar o corpo: é cuidar da saúde mental, da memória e da estabilidade emocional. Uma pesquisa da Universidade de York, no Reino Unido, publicada na prestigiada revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences), revelou um aspecto ainda pouco explorado: a relação direta entre sono de qualidade e a capacidade do cérebro de controlar memórias indesejadas. O estudo indica que a privação de sono prejudica mecanismos cerebrais responsáveis pela supressão de lembranças negativas, o que pode favorecer o surgimento ou agravamento de transtornos como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático (TEPT).
A investigação envolveu 85 adultos saudáveis, com idades entre 18 e 30 anos. Todos foram expostos a imagens com conteúdo perturbador — como cenas de acidentes — e, em seguida, divididos em dois grupos. Um grupo dormiu normalmente, enquanto o outro passou a noite em claro. No dia seguinte, ambos foram instruídos a tentar afastar as imagens da mente, enquanto suas atividades cerebrais eram monitoradas por ressonância magnética funcional. O resultado foi claro: aqueles que dormiram bem demonstraram maior ativação no córtex pré-frontal dorsolateral direito — área responsável pela regulação emocional e pelo controle de pensamentos — e menor atividade no hipocampo, região associada à lembrança de memórias. Já os que ficaram acordados apresentaram o oposto, com menor controle e maior suscetibilidade à lembrança de conteúdos desagradáveis.
Esses dados sugerem que o sono, especialmente sua fase mais profunda, o sono REM, atua como um “restaurador emocional”, fortalecendo áreas cerebrais essenciais para a gestão de sentimentos e pensamentos. O sono REM, fase marcada por sonhos vívidos e movimentos rápidos dos olhos, mostrou ter papel central na recarga das regiões cerebrais que regulam as emoções. Participantes que passaram mais tempo nessa fase tiveram maior facilidade em suprimir pensamentos negativos, indicando que um cérebro bem descansado consegue filtrar melhor as memórias que acessa — e, especialmente, aquelas que prefere deixar de lado.
As implicações da pesquisa são vastas. Pessoas que sofrem com privação crônica de sono podem estar mais vulneráveis a lembranças traumáticas recorrentes. Um exemplo prático: alguém que sofreu um acidente de carro pode, diante de situações cotidianas como ver um carro em alta velocidade, reviver involuntariamente o trauma com intensidade muito maior se estiver privado de sono. Isso se conecta diretamente a sintomas comuns de TEPT e outros transtornos emocionais. O estudo, portanto, reforça a importância do sono como fator de proteção mental.
No entanto, os especialistas apontam limitações. A amostra foi pequena e restrita a adultos jovens e saudáveis, o que impede generalizações para outros grupos, como idosos, crianças ou pessoas com doenças mentais ou distúrbios do sono. Além disso, os efeitos da privação de uma única noite são diferentes daqueles causados por anos de noites mal dormidas — uma realidade enfrentada por muitas pessoas.
O estudo sugere que noites bem dormidas não apenas restauram o corpo, mas blindam a mente contra pensamentos invasivos. Melhorar a qualidade do sono pode se tornar uma estratégia terapêutica tão relevante quanto a psicoterapia ou os medicamentos — especialmente em tempos em que a saúde mental é uma preocupação crescente em todo o mundo.