Festival de cinema na Arábia Saudita é expressão do progresso do país do Oriente Médio

Reinaldo Glioche

Nos últimos anos, a Arábia Saudita tem se destacado como um novo protagonista na indústria global de entretenimento e mídia. Por meio de iniciativas ambiciosas, como o Festival de Cinema do Mar Vermelho (Red Sea Film Festival) e a criação do polo de produção de Neom, o reino busca consolidar sua presença em um mercado competitivo, atraindo atenção internacional e estimulando talentos locais. Essa estratégia, impulsionada pelo Fundo de Investimento Público (PIF), é parte de um plano mais amplo alinhado à Visão 2030, que busca diversificar a economia saudita e reduzir sua dependência do petróleo.

Red Sea Film Festival

O Festival de Cinema do Mar Vermelho, realizado anualmente em Jeddah, é um dos principais pilares desse esforço. Em sua quarta edição, o evento atraiu estrelas de Hollywood, cineastas de prestígio e executivos das maiores agências do setor, como a CAA e a WME. Entre os destaques deste ano estavam nomes como Vin Diesel, Emily Blunt e Spike Lee, que participaram de painéis, receberam prêmios e interagiram com produções regionais.

Apesar do brilho e glamour internacionais, o festival também se posiciona como uma plataforma de incentivo à produção local. Exemplo disso foi a escolha de um filme saudita-egípcio para abrir o evento, ressaltando o compromisso em promover talentos regionais. Produções como “Four Daughters”, cofinanciadas pela Fundação do Mar Vermelho, demonstram o impacto desse investimento ao receberem reconhecimento internacional.

No entanto, os desafios são consideráveis. Até 2018, o cinema era proibido no país, o que deixou lacunas significativas na infraestrutura e na experiência de profissionais locais. Problemas logísticos, como cerimônias atrasadas e baixa adesão do público em algumas sessões, evidenciam o caminho ainda a ser percorrido. Mesmo assim, o festival segue como um catalisador de mudanças, alavancando iniciativas de treinamento e capacitação para cineastas sauditas.

Neom: um futuro de oportunidades e controvérsias

Paralelamente, o desenvolvimento de Neom, uma cidade futurista na região de Tabuk, está redesenhando o panorama de produção audiovisual no Oriente Médio. Com paisagens diversificadas e infraestrutura de ponta, Neom tem atraído produções internacionais de grande porte, como “Desert Warrior”, estrelado por Anthony Mackie, e “Rise of the Witches”, a produção televisiva mais cara da região.

Uma das iniciativas mais recentes foi a parceria entre Neom e a Hakawati Entertainment, que prevê a produção de nove longas-metragens e a criação de uma unidade de serviços avançados no local. O objetivo é enfrentar gargalos, como a burocracia, e atrair produções globais enquanto capacita talentos locais. Programas de treinamento, workshops e uma “comunidade Hakawati” estão entre as ações previstas para fortalecer a indústria cinematográfica saudita.

Contudo, Neom não é isenta de polêmicas. Alegadas violações de direitos humanos durante seu desenvolvimento e acusações de má conduta contra ex-executivos são questões que pairam sobre o projeto. Mesmo assim, a cidade segue como um dos pilares dos esforços do reino para construir um ecossistema de mídia de classe mundial.

Em meio a esse cenário de transformação, o filme “Sonhar com Leões”, do diretor e roteirista greco-português Paolo Marinou-Blanco, trouxe uma narrativa intimista e universal ao Festival de Cinema do Mar Vermelho. Selecionado na categoria “Favoritos do Festival”, o longa explora com humor e sensibilidade temas profundos relacionados à dignidade e à condição humana.

A trama segue Gilda, uma imigrante brasileira vivendo em Lisboa, que, diante de um diagnóstico terminal, busca uma maneira de morrer com dignidade. Interpretada por Denise Fraga, Gilda participa de workshops organizados pela corporação clandestina “Joy Transition International”, onde conhece Amadeu, interpretado pelo ator português João Nunes Monteiro. Juntos, embarcam em uma jornada tragicômica, questionando os limites entre a vida e a morte.

Com inspirações em cineastas como Aki Kaurismäki e Luis Buñuel, Marinou-Blanco usa o absurdo para destacar as excentricidades da existência. “Com esse filme, espero mostrar que está tudo bem em trazer coisas que te assustam para sua vida, se você as abraçar com um pouco mais de humor e coragem”, disse o diretor.

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Desafios culturais e sociais

Apesar de seu progresso, a Arábia Saudita enfrenta barreiras significativas para se consolidar como um player global no entretenimento. Reformas promovidas pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman modernizaram aspectos da sociedade saudita, mas restrições culturais persistem, como a ausência de direitos LGBTQ e a proibição ao consumo de álcool. Essas questões tornam o país menos atraente para algumas produções internacionais.

Outro obstáculo é a burocracia para acessar incentivos financeiros, como o generoso reembolso de 40% oferecido pelo governo. Embora competitivo, o processo para garantir esses incentivos ainda é mais complexo do que em outros mercados, como o canadense ou australiano. Além disso, o calor extremo durante grande parte do ano e a infraestrutura em desenvolvimento apresentam desafios adicionais.

Apesar das adversidades, o futuro da indústria cinematográfica saudita é promissor. O Festival de Cinema do Mar Vermelho já se estabeleceu como um ponto de encontro para colaborações regionais e internacionais, enquanto Neom se consolida como um polo de produção inovador. Investimentos em treinamento e capacitação de talentos locais indicam um compromisso com o desenvolvimento de longo prazo.

Ao abraçar o desafio de equilibrar tradição e modernidade, a Arábia Saudita tem o potencial de emergir como uma força criativa global, oferecendo tanto uma plataforma para novas vozes quanto um palco para produções internacionais.

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