Judicialização do tratamento do TEA no Brasil: Avanços, desafios e perspectivas

Redação Culturize-se

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) afeta profundamente as áreas de comunicação, interação social e comportamento, exigindo abordagens terapêuticas especializadas para promover o desenvolvimento e a inclusão social dos indivíduos diagnosticados. No Brasil, a luta pelo acesso a tratamentos adequados é um desafio que envolve o Sistema Único de Saúde (SUS), os planos de saúde suplementar e o Poder Judiciário, com impactos significativos tanto para as famílias quanto para a gestão dos recursos públicos e privados.

A Medicina Baseada em Evidências (MBE) desponta como um pilar fundamental para a definição de terapias eficazes e seguras para o TEA. Entre as abordagens com maior respaldo científico estão:

  • Análise do Comportamento Aplicada (ABA): Metodologia que utiliza princípios comportamentais para desenvolver habilidades sociais e comunicativas.
  • Método TEACCH: Estruturação para promover a autonomia e organização do indivíduo autista.
  • Comunicação Alternativa (PECS): Sistema que utiliza figuras para facilitar a comunicação.

Essas intervenções, aliadas à terapia ocupacional, fonoaudiologia e psicopedagogia, contribuem significativamente para o desenvolvimento de pessoas com TEA. Contudo, há preocupações quanto ao uso inadequado de algumas terapias. Denúncias apontam que cargas horárias excessivas em abordagens como ABA podem gerar desgaste emocional e social, além de violar princípios bioéticos.

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Foto: Pexels

Judicialização como ferramenta de acesso

Diante das limitações estruturais do SUS e da rede suplementar, a judicialização tornou-se uma estratégia crucial para garantir o tratamento adequado. No âmbito do SUS, bloqueios judiciais de verbas públicas são frequentemente utilizados para custear terapias solicitadas. No setor suplementar, processos judiciais são movidos contra planos de saúde para obrigar a cobertura de tratamentos não previstos nos contratos ou no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

Essa dinâmica reflete a tensão entre a necessidade de tratamentos individualizados e a sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde. As operadoras argumentam que a inclusão de terapias não previstas pode desequilibrar os contratos, aumentando os custos operacionais e as mensalidades. Em contraponto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem garantido, em casos excepcionais, a cobertura de terapias com base em evidências científicas e na ausência de substitutos eficazes no rol da ANS.

Avanços normativos e projetos inovadores

Nos últimos anos, avanços significativos têm sido registrados na proteção dos direitos das pessoas com TEA. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por exemplo, criou o Comitê dos Direitos de Pessoas com Deficiência no Âmbito Judicial, com iniciativas como:

  • Manual de Atendimento para Pessoas com TEA: Diretrizes para uma abordagem humanizada no sistema de justiça.
  • Projeto Sensibilizar para Enxergar os Invisíveis: Capacitação de profissionais para lidar com neurodivergentes.
  • Polícia Judicial Amiga dos Autistas: Treinamento de policiais para o acolhimento humanizado.

Ademais, a Resolução nº 401 do CNJ estabeleceu diretrizes para a inclusão de pessoas com deficiência no Poder Judiciário, alcançando também os indivíduos com TEA. Essas medidas refletem um esforço conjunto para superar o modelo biomédico e adotar o modelo social de deficiência, reconhecendo que as barreiras estão nas relações sociais e não no indivíduo.

Apesar da Lei nº 9.656/98 determinar a cobertura obrigatória para transtornos mentais, incluindo o TEA, famílias enfrentam obstáculos impostos pelos planos de saúde. Negativas de cobertura baseadas em limitações contratuais, alegada falta de comprovação científica ou classificação das terapias como “educacionais” são recorrentes.

Essas barreiras têm impactos profundos. A intervenção precoce e intensiva é essencial para o desenvolvimento de habilidades e autonomia, enquanto a ausência de tratamento pode agravar os sintomas do autismo, levando ao isolamento social e sobrecarga familiar. Nesse contexto, a judicialização tem se mostrado eficaz para assegurar direitos, mas também sobrecarrega o sistema judiciário e gera desgaste emocional e financeiro para as famílias.

A solução para os desafios enfrentados exige ações coordenadas e sustentáveis. Algumas medidas prioritárias incluem:

  • Regulamentação Específica para o Atendimento ao TEA: Definir as terapias obrigatórias e os critérios de cobertura, promovendo transparência e equidade.
  • Fortalecimento da ANS: Intensificar a fiscalização sobre as operadoras de planos de saúde, aplicando sanções em casos de descumprimento das normas.
  • Conscientização Social: Promover o conhecimento sobre o TEA para reduzir preconceitos e aumentar a pressão por políticas inclusivas.
  • Investimento em Políticas Públicas: Ampliar a oferta de terapias pelo SUS, capacitar profissionais e criar centros de referência para o atendimento ao TEA.

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