Por Reinaldo Glioche
Um dos predicados dos filmes de terror da A24, estúdio sensação em Hollywood, é o tal do high horror, em que fazer pensar é tão importante quanto assustar. Filmes como “Hereditário” (2018), “Nós” (2019) e “Corra” (2017) ajudaram a consagrar a fórmula. Agora, chega aos cinemas um filme que eleva o conceito a outro patamar. Trata-se de “Herege”, dirigido por Scott Beck e Bryan Woods, responsáveis por filmes de pouca projeção como “A Casa do Terror”, mas que assinaram o roteiro dos dois “Um Lugar Silencioso”.
A trama de “Herege” é simples. Duas jovens missionárias devotas, as ótimas Sofia Tatcher e Chloe East, acabam presas na casa de um homem misterioso (Hugh Grant). Você até sabe onde essa premissa vai dar, mas a trama se desenvolve de maneira inteligente e convidativa. O sr. Reed de Grant é um estudioso das religiões e está disposto a provar para as duas missionárias que tudo não passa de uma farsa.
Só que essa disposição vai se revelando de maneira tensa e atmosférica durante uma tempestade. O grande trunfo do roteiro de Beck e Woods está no fato de que toda a tensão e suspense é construída nos diálogos e não em sustos, movimentos de câmera ou sonoplastia. “Herege” se revela, ainda, um dos filmes mais intelectuais da temporada, pelo menos no alçapão comercial, pela discussão que encampa sobre fé, controle e a maneira como elas se relacionam.
Nesse escopo, Hugh Grant desponta como o coração do filme, já que seu personagem deflagra os conflitos. Passa por ele, ainda, os rumos do longa, que no terço final se banaliza um tanto em virtude das demandas comerciais de gênero, mas ainda assim se sustenta como um entretenimento singular na seara de filmes de terror, especialmente no contexto de 2024.
Grant, mais afeito aos papéis cômicos, surge aqui como uma figura taciturna, de fala ora pausada, ora frenética. Do tom de voz soturno à postura enfarruscada, o ator traz à cena elementos que tornam a expectativa da audiência pelo que está por vir mais claudicante. É uma daquelas atuações que elevam a dramaturgia do filme e, aliada ao bom texto, fazem de “Herege” um dos achados do cinema na temporada.