Redação Culturize-se

Para abordar a ecoansiedade, é essencial compreender as múltiplas camadas e as diversas fontes de angústia relacionadas ao meio ambiente que afetam, hoje, uma crescente parcela da população global. O termo ecoansiedade, descrito pela Associação Americana de Psicologia como o “medo crônico de uma catástrofe ambiental”, já revela a profundidade desse fenômeno psicológico, intensificado pela visível e alarmante degradação ambiental. Com fenômenos climáticos extremos, como enchentes, queimadas e ondas de calor se tornando mais comuns, o impacto mental é uma consequência direta e palpável que especialistas e organizações têm se dedicado a estudar e abordar.
Para muitos, os desastres recentes servem como gatilhos para um medo mais profundo e persistente, como é o caso das enchentes no Rio Grande do Sul, que deixaram marcas emocionais permanentes nos moradores locais. Mesmo seis meses após o ocorrido, muitos ainda vivem em estado de alerta. São comuns relatos de pessoas com crises de ansiedade diante da previsão de chuva. O psiquiatra Alfredo Maluf aponta que essa reação é cada vez mais comum em situações de crise climática, e muitos sintomas do transtorno, como insônia, irritabilidade e até dificuldade de respirar, configuram o que ele descreve como ecoansiedade.
Esse tipo de ansiedade, embora recente na terminologia médica, ganhou atenção significativa a partir dos anos 1990. Especialistas como Marcos Gebara notam que hoje, além dos impactos das mudanças climáticas em si, a exposição massiva de notícias sobre desastres e o aumento da conscientização ambiental têm acelerado o surgimento desse fenômeno. Estudo publicado na revista The Lancet Planet Health, que entrevistou mais de 10 mil jovens entre 16 e 25 anos, revelou que 59% dos entrevistados estão muito ou extremamente preocupados com as mudanças climáticas. Essa preocupação crônica com o estado do planeta pode levar a um sentimento de impotência que invade a vida cotidiana dos indivíduos, impactando tanto a saúde mental como a física.

O impacto da ecoansiedade, contudo, não é igual entre todas as faixas etárias. Crianças e adolescentes, em desenvolvimento emocional, tendem a internalizar esse medo com mais intensidade. Os especialistas Armando Ribeiro e Caroline Hickman, da Universidade de São Paulo (USP), observam que muitos jovens assumem uma responsabilidade intensa pelo futuro do planeta, o que eleva seus níveis de ansiedade, raiva e frustração. No Brasil, a psiquiatra Debora Tseng Chou relata que jovens que entrevistou entre 6 e 18 anos expressam um medo crescente em relação ao futuro. A pesquisa de Chou, realizada como parte de um estudo internacional da Universidade de Yale, revela que sentimentos de pânico e desespero já se manifestam em idades precoces, destacando a urgência de abordar o tema em instituições educacionais e famílias.
Essa angústia também ultrapassa o domínio pessoal, tomando um caráter intergeracional. Hickman descreve a existência de um conflito entre gerações, no qual jovens se ressentem das gerações anteriores, percebidas como despreocupadas ou coniventes com a degradação ambiental. Ela enfatiza a importância de diálogos intergeracionais que permitam tanto o reconhecimento de erros passados quanto a união em prol de soluções futuras. “Nós precisamos pedir desculpas às gerações mais jovens”, afirma Hickman, ressaltando que a culpa e o luto devem ser encarados de forma terapêutica. Esses diálogos, ao invés de simplesmente aliviar a tensão, poderiam ajudar a transformar a frustração em ação colaborativa, fortalecendo uma base de apoio mútuo entre gerações.
Ainda que o termo ecoansiedade seja moderno, o sofrimento psíquico causado pela degradação ambiental tem raízes históricas. No Brasil, onde a exploração ambiental data de séculos, os impactos climáticos afetam especialmente as populações marginalizadas. Mariana Leal de Barros, doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), enfatiza que o sofrimento psíquico resultante das mudanças climáticas é agravado por desigualdades sociais. Muitos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, historicamente excluídos das políticas públicas de proteção ambiental, enfrentam hoje as piores consequências das mudanças climáticas. Barros aponta para o racismo ambiental como uma realidade que se manifesta na distribuição desigual dos riscos climáticos, uma vez que essas comunidades frequentemente ocupam áreas suscetíveis a desastres, como regiões sujeitas a enchentes ou deslizamentos.
O sentimento de impotência gerado pela falta de ação política é um dos principais catalisadores da ecoansiedade. Muitos estudiosos defendem que essa ansiedade é, em última análise, uma resposta racional ao reconhecimento da crise climática.
Atualmente, iniciativas que oferecem apoio psicológico e engajamento ambiental têm sido promovidas como formas de combater a ecoansiedade. Práticas de autocuidado e ações ambientais concretas, como reciclagem e voluntariado, ajudam a mitigar o sentimento de impotência. O envolvimento em atividades ecológicas proporciona alívio emocional, pois permite aos indivíduos sentirem-se parte da solução em vez de vítimas de um problema incontrolável. Para os especialistas, atividades físicas, introspecção e contato com a natureza são fundamentais para resgatar a estabilidade emocional. Caroline Hickman reforça que a ecoansiedade deve ser reconhecida como um alerta necessário para a crise climática, não como uma patologia a ser eliminada.

O crescente fenômeno da ecoansiedade demonstra como a crise ambiental não é apenas um problema físico ou político, mas também psicológico e social. Ao reconhecer as diferentes formas pelas quais a ansiedade climática se manifesta e seu impacto na saúde mental, é possível traçar abordagens mais humanas e inclusivas para lidar com a crise. Em um cenário de incertezas climáticas e desigualdade, a ecoansiedade é um chamado para que a sociedade encare os desafios climáticos com seriedade, considerando os efeitos diretos na saúde mental e na coesão social.