“O Quarto ao Lado” busca desmistificar a “guerra” com a morte

Vencedor do Leão de Ouro em Veneza, “O Quarto ao Lado” é uma reflexão delicada e cheia de reminiscências de Pedro Almodóvar sobre a finitude. Também seu 1º longa em língua inglesa

Por Reinaldo Glioche

Ingrid (Julianne Moore) acaba de lançar um livro em que explicita suas dificuldades emocionais em torno da morte. É neste momento que mistura excitação e vulnerabilidade que Martha (Tilda Swinton), enfrentando um câncer cervical terminal, retorna à sua vida. Em “O Quarto ao Lado”, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar está interessado na perspectiva do fim e nossa relação com a finitude, em um contexto social, mas também no foro íntimo.

À medida que Martha e Ingrid retomam o calor da amizade que havia ficado para trás, um alento que parece servir às duas, o diagnóstico de Martha se agrava. Ela então decide tirar a própria vida em um gesto de controle e abnegação. “O câncer não pode me derrotar se eu me derrotar antes”. Mas ela não quer passar por essa guerra sozinha. É interessante como a personagem, uma ex-correspondente de guerra, se vale dessa analogia e como a objetividade de suas reflexões vão se abstraindo, embora ganhando concretude no jugo da audiência.

O Quarto ao Lado
Foto: Divulgação

O pedido para que Ingrid a acompanhe em uma viagem de cerca de um mês em que ela irá tomar uma pílula da eutanásia é seguido pelos esperados dilemas morais e emocionais, mas também por um esforço de compreensão, da personagem defendida com viço e singeleza por Moore, mas também da realização.

Almodóvar parte do livro “What Are You Going Through?”, de Sigrid Nunez, para estimular em sua audiência uma reflexão profunda sobre como lidamos com a morte e, nesse sentido, surpreende sua escolha por evitar o melodrama, algo intrínseco a sua gramática cinematográfica. Talvez seja uma abordagem propiciada pelo fato de estar dirigindo uma obra em língua que não é a sua, mas os traços almodovarianos estão lá a despeito dessa mudança de rota. A escolha de Swinton e Moore contribui, é claro, para essa consubstanciação, mas figurino, direção de arte e o próprio desenho do roteiro estabelecem essa conexão.

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A maneira como Martha se posiciona diante da iminência do fim revitaliza uma visão de mundo entorpecida de Ingrid e permite que o espectador rumine sobre dogmas – sejam eles sociais ou religiosos – com sobriedade. Outro acerto da condução mais contida pelo cineasta. Não se trata de um filme frio, é bom que se diga. A poesia de “O Quarto ao Lado” está nas minúcias, na beleza com que flagra a tristeza, nas referências que alude – na arte e no próprio universo almodovariano – e na convicção de não impor ao público as escolhas de suas personagens, mas de arrogar-se compartilhar com ele novas perspectivas.

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