Redação Culturize-se

Aos 85 anos, Francis Ford Coppola continua a surpreender o público e a crítica com sua obra ambiciosa “Megalópolis“. Este filme, um projeto de paixão autofinanciado, questiona as estruturas sociais e políticas do mundo moderno através de uma alegoria baseada na transição da República Romana para o imperialismo, situada em uma Nova York futurista que reflete a visão utópica de um arquiteto, interpretado por Adam Driver, em conflito com as forças estabelecidas, representadas por Giancarlo Esposito.
Desde o início de sua carreira, Coppola tem se destacado não apenas pela habilidade em criar narrativas complexas, mas por insistir em uma abordagem autoral, livre das amarras comerciais que predominam em Hollywood. Com um investimento próprio de US$ 120 milhões, Coppola assegurou total liberdade criativa para “Megalópolis”, tornando-o um símbolo de sua dedicação à arte e ao potencial humano.
O que realmente distingue “Megalópolis” é o empenho de Coppola em fazer do filme uma obra atemporal, ancorada em ideias filosóficas e temáticas, além da qualidade técnica e do elenco estrelado. O cineasta reuniu atores com quem colaborou anteriormente, como Laurence Fishburne, Giancarlo Esposito, e Talia Shire, além de nomes de peso como Adam Driver, Nathalie Emmanuel e Dustin Hoffman. O retorno desses atores e a inclusão de novos talentos formam um elenco que ajuda a transmitir a profundidade dos personagens e os conflitos em jogo. Esposito, por exemplo, interpreta Franklyn Cicero, o prefeito pragmático de Nova Roma que se opõe aos ideais utópicos de Cesar Catilina, vivido por Driver. Esta luta entre tradição e inovação reflete, em um nível mais amplo, o embate entre progresso e conservadorismo, uma temática que ressoa fortemente no contexto social e político contemporâneo.
Ao longo dos 42 anos de desenvolvimento de “Megalópolis”, Coppola acumulou uma vasta pesquisa, envolvendo desde anotações e recortes de jornais até referências históricas e sociais. Em 1982, ele começou a delinear a trama, que foi interrompida inúmeras vezes, enfrentando obstáculos que foram desde a dificuldade de financiamento até o impacto dos atentados de 11 de setembro, os quais alteraram significativamente sua perspectiva sobre o projeto. Contudo, mesmo com as interrupções, Coppola jamais abandonou sua visão. Em vez disso, ele foi reunindo recursos e reformulando ideias até conseguir, décadas depois, finalmente dar início à produção em 2022. “Megalópolis” estreou no Festival de Cinema de Cannes em 2024, com sua chegada aos cinemas brasileiros marcada par o próximo dia 31.
A grandiosidade do filme se reflete não apenas no orçamento ou na longa jornada até sua conclusão, mas também nas inspirações globais que o permeiam. O próprio Coppola revelou que a ideia para o personagem principal, Cesar Catilina, e seu projeto utópico de cidade são fortemente influenciados pelo ex-governador do Paraná, Jaime Lerner, e sua atuação em Curitiba. Lerner, conhecido mundialmente por suas ideias inovadoras de urbanismo e sustentabilidade, inspirou Coppola a criar um protagonista que, assim como o arquiteto brasileiro, enxerga a cidade como um organismo dinâmico, capaz de se adaptar e evoluir em benefício dos cidadãos. Este detalhe traz um elemento inesperado e fascinante ao filme, conectando a história de “Megalópolis” com realidades urbanas e sociais que ultrapassam as fronteiras dos Estados Unidos.





A narrativa de “Megalópolis” aprofunda-se na tensão entre a utopia e o realismo, apresentando a visão de Cesar Catilina como um idealista que almeja transformar Nova Roma em uma cidade verdadeiramente inovadora, onde a criatividade humana pode florescer sem os entraves da burocracia e da política. Em contraste, o prefeito Cicero, interpretado por Esposito, defende um modelo mais realista, que privilegia a estabilidade e a ordem. Essa dualidade reflete uma crítica que Coppola desenvolve há anos em sua filmografia: o embate entre o idealismo e o pragmatismo, entre o desejo de transformação e as forças que resistem à mudança.
Além do embate filosófico entre os personagens, o filme se destaca por sua estética e pela exploração técnica. Coppola, que já inovou no cinema ao vivo em produções como One From the Heart, continua a experimentar, fundindo elementos do teatro e do cinema para criar uma experiência imersiva e interativa. Essa abordagem busca engajar o espectador em um nível emocional e intelectual, convidando-o a questionar os paradigmas atuais da sociedade, como se fosse parte do próprio enredo. A ideia do “cinema ao vivo” mostra o quanto Coppola valoriza o papel do público, vendo-o como um participante ativo na construção de sentido das obras.
Ao discutir “Megalópolis”, o diretor deixa claro que não se trata apenas de um entretenimento, mas de uma reflexão sobre a humanidade e seu potencial coletivo. Coppola expressa uma crença profunda no gênio humano e na capacidade criativa de nossa espécie, uma perspectiva que se reflete na mensagem otimista do filme, que culmina em um desfecho esperançoso. Para ele, a arte é uma forma de alcançar o que há de melhor na humanidade, uma visão que permeia suas produções e suas declarações sobre o cinema como um veículo de transformação social. Coppola afirma que os filmes devem ser “feitos à mão” e “únicos”, e não um produto fabricado para atender à demanda de mercado. Essa visão contrasta fortemente com o panorama atual de Hollywood, onde o cinema muitas vezes é tratado como um produto comercial em vez de uma manifestação artística.
Tumulto e realização

A produção turbulenta de “Megalópolis”, com mudanças na equipe e desafios financeiros, reflete as dificuldades enfrentadas por Coppola para concretizar sua visão em um ambiente dominado pelo lucro e pelo controle criativo das grandes corporações. Ainda assim, ele manteve sua postura, financiando o filme com recursos próprios e assumindo riscos financeiros significativos. Sua postura independente e seu compromisso com a autenticidade fazem de Coppola uma figura única na indústria cinematográfica. Ele descreve o ato de “saltar para o desconhecido” como uma forma de provar a liberdade artística, uma filosofia que permeia “Megalópolis” e serve como um lembrete da importância de correr riscos para alcançar a verdadeira expressão criativa.
A profundidade temática e o apelo visual de “Megalópolis” são um testemunho da habilidade de Coppola em transformar questões complexas e atemporais em uma obra cinematográfica envolvente e reflexiva. Para ele, compreender o passado é fundamental para moldar o futuro, e sua narrativa conecta a decadência da República Romana com a situação atual dos Estados Unidos, sugerindo que as lições da história são cruciais para evitar erros no presente. Coppola vê em “Megalópolis” uma oportunidade de levar o público a refletir sobre a sociedade e a imaginar novas possibilidades para o futuro. “Quando você salta para o desconhecido, prova que é livre.”