Redação Culturize-se
O fenômeno do “pobre de direita” no Brasil é um tema complexo e multifacetado que exige uma compreensão profunda dos aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais do país. Em sua obra “O Pobre de Direita: A Vingança dos Bastardos” (Ed. Civilização Brasileira, 224 páginas), o sociólogo Jessé Souza lança luz sobre esse enigma, revelando como a extrema-direita conseguiu cooptar uma parcela significativa das classes populares, especialmente os brancos pobres e os evangélicos neopentecostais. Ao longo de suas análises, Souza busca desvendar as dinâmicas de ressentimento, exclusão, racismo e moralidade que estão por trás desse fenômeno, mostrando como as elites políticas e econômicas manipulam essas vulnerabilidades para perpetuar a desigualdade e o controle social.
Uma base movida a ressentimento e exclusão
Uma das chaves para entender o apoio de parte dos pobres à extrema-direita, segundo Jessé Souza, é o sentimento de ressentimento. Esse sentimento surge da humilhação e marginalização que muitas dessas pessoas enfrentam cotidianamente. No Brasil, a maioria da população ganha abaixo de cinco salários mínimos, sendo que uma parte significativa vive com menos de dois salários mínimos. Essas pessoas, chamadas por Souza de “classe batalhadora” e “ralé”, sentem-se excluídas de um projeto nacional de desenvolvimento que, em suas percepções, foi interrompido em favor dos interesses das elites.
No entanto, o ressentimento não é puramente econômico. Ele também carrega uma dimensão moral e simbólica. As classes populares, tanto brancas quanto negras, são constantemente desvalorizadas, seja pela falta de reconhecimento, seja pelas condições precárias de vida e trabalho. Nesse contexto, o ressentimento não se dirige apenas contra a pobreza material, mas também contra a sensação de invisibilidade e desrespeito que essas pessoas sentem.
A classe média alta, que se beneficia das estruturas de poder e prestígio, desempenha um papel crucial na perpetuação desse ressentimento. Como Jessé argumenta, essa classe, aliada às elites econômicas, reforça as desigualdades, mantendo-se como o grupo dominante em termos de oportunidades e reconhecimento. O ressentimento acumulado pelas classes populares, então, torna-se uma força explorável por figuras políticas como Jair Bolsonaro, que manipula essas frustrações para angariar apoio, ainda que suas políticas perpetuem as condições de opressão dessas mesmas pessoas.
A manipulação das vulnerabilidades
Uma das questões centrais levantadas por Jessé Souza é como figuras políticas de extrema-direita, como Bolsonaro, conseguem conquistar o apoio de grupos que, em tese, deveriam se opor às suas políticas. Souza argumenta que a resposta está na habilidade dessas figuras de manipular as vulnerabilidades dos pobres, tanto brancos quanto negros, e canalizar seu ressentimento para alvos simbólicos e errôneos.
A extrema-direita oferece uma “saída simbólica” para as frustrações das populações excluídas. Ao se apropriar de discursos moralistas e religiosos, líderes como Bolsonaro apresentam-se como defensores da família tradicional, da moralidade e da ordem. Esses discursos, embora não abordem os problemas materiais das classes populares, oferecem a essas pessoas uma sensação de reconhecimento moral e pertencimento a uma ordem superior.
Esse fenômeno é particularmente evidente entre os evangélicos neopentecostais, que constituem uma base importante de apoio à extrema-direita. Como Jessé aponta, as igrejas neopentecostais frequentemente canalizam o ressentimento e as ansiedades das classes populares para questões espirituais, oferecendo explicações religiosas para problemas materiais, como doenças ou dificuldades financeiras. Ao despolitizar essas questões, a religiosidade torna-se uma ferramenta eficaz para afastar essas populações da conscientização política e da luta por direitos.
Além disso, a extrema-direita utiliza o racismo como um mecanismo central para manipular o ressentimento social. Jessé Souza identifica um “novo racismo” no Brasil, que não se expressa apenas em termos de discriminação racial explícita, mas também em uma hierarquia social que perpetua a exclusão de negros e mestiços. Esse racismo é frequentemente mascarado, mas continua a influenciar profundamente as relações sociais e políticas. O preconceito contra nordestinos, por exemplo, é uma manifestação desse novo racismo, que reforça a sensação de superioridade dos brancos pobres do Sul e Sudeste sobre outros grupos marginalizados.
O racismo é um dos elementos centrais da análise de Jessé Souza sobre o fenômeno do pobre de direita. O sociólogo argumenta que o Brasil construiu uma narrativa enganosa de “racismo cordial”, onde o preconceito racial é mascarado por uma fachada de harmonia racial. No entanto, o racismo continua a ser um fator determinante na perpetuação das desigualdades sociais e na exclusão de negros e mestiços das esferas de poder e prestígio.
A moralidade conservadora, promovida pela extrema-direita, também desempenha um papel fundamental na manutenção dessas hierarquias raciais. Ao se apropriar de discursos religiosos e conservadores, a extrema-direita oferece aos pobres de direita uma sensação de superioridade moral sobre outros grupos marginalizados, como homossexuais ou negros. Essa distinção moral, ainda que ilusória, proporciona uma sensação temporária de dignidade e reconhecimento para aqueles que, de outra forma, se sentiriam excluídos e humilhados.
Jessé Souza defende que essa busca por reconhecimento é uma necessidade básica na construção da autoestima e da dignidade. No entanto, a ideologia conservadora distorce essa busca, oferecendo um falso senso de superioridade moral que não resolve os problemas materiais dessas populações, mas as mantém presas em uma dinâmica de exclusão e ressentimento.
A elite anti-industrial
Além de suas análises sobre o ressentimento e o racismo, Jessé Souza também critica duramente a elite brasileira e o papel da Operação Lava Jato no desmantelamento do projeto de desenvolvimento nacional. Segundo o sociólogo, a Lava Jato foi parte de um movimento maior para enfraquecer a indústria nacional e promover a privatização, beneficiando os interesses das elites nacionais e internacionais.
A elite brasileira, segundo Jessé, é “anti-industrial”. Ela nunca foi verdadeiramente empreendedora ou inovadora, preferindo explorar o Estado e garantir privilégios através do rentismo. Essa elite, com o controle do Banco Central, da mídia e de figuras políticas estratégicas, manipula a economia e as políticas públicas em benefício próprio, deixando a maioria da população à margem.
Para Jessé, a Operação Lava Jato foi uma ferramenta importante nesse processo. Ao enfraquecer as indústrias estratégicas, como o petróleo e o gás, e promover a privatização, a Lava Jato contribuiu para a destruição do projeto de desenvolvimento iniciado por Getúlio Vargas e retomado por Lula. Esse projeto, que visava à industrialização e à redução das desigualdades, foi interrompido em favor dos interesses das elites, que sempre se opuseram a um Brasil mais igualitário e desenvolvido.
A análise de Jessé Souza culmina em um chamado à ação. Para ele, a única forma de romper com o ciclo de dominação e exclusão perpetuado pela elite e pela extrema-direita é através de uma contra-hegemonia ideológica. Inspirado por Antonio Gramsci, Jessé argumenta que é necessário disputar a narrativa dominante e oferecer uma visão alternativa da sociedade, que não apenas desafie o sistema econômico vigente, mas também transforme as ideias e valores que sustentam a desigualdade.
A obra de Jessé Souza, “O Pobre de Direita: A Vingança dos Bastardos”, oferece uma análise profunda e provocativa do fenômeno do apoio das classes populares à extrema-direita no Brasil. Ao explorar as dinâmicas de ressentimento, racismo e moralidade, Jessé sustenta que as elites manipulam essas vulnerabilidades para perpetuar a desigualdade e manter seu controle sobre o Estado.