Por Reinaldo Glioche
Um dos grandes e inesperados sucessos do cinema em 2022, “Sorria” custou pouco mais de US$ 17 milhões e arrecadou US$ 217 milhões, além da boa aceitação crítica. A sequência era inevitável, mas Parker Finn, autor do curta que deu origem ao primeiro filme (que foi seu primeiro longa), reitera a percepção de que é um cineasta inteirado dos códigos do cinema de gênero, com uma continuação nitidamente mais ambiciosa, mas também desenvolvida com mais sofisticação narrativa.
A fusão de gore com crescentes sensações de incômodo e angústia – um dos grandes expedientes do original – seguem na ordem do dia, mas Finn brinca ainda mais com a ideia de possessão demoníaca e flagelo da saúde mental. Para isso, sai de cena a médica psiquiatra do primeiro longa, que ainda dispunha de alguma ferramenta para lidar com o desatino em que se encontrou, e entra em cena a cantora popstar Skye Riley, vivida com esmero e alta voltagem dramática por Naomi Scott.
Riley está tentando repavimentar sua carreira após envolver-se em um acidente que foi fatal para o seu namorado (um pequeno, mas marcante papel de Ray Nicholson) e recuperar-se da dependência de drogas. Acontece que ela passa a ser o hospedeiro dessa entidade demoníaca – que um personagem em dado momento classifica acertadamente como parasitária – e a sua instabilidade mental é pulverizada.
A exemplo do original, “Sorria 2” é um deslumbre técnico. Do arrojado design de som à fotografia sempre penetrante, o longa investe nos jump scares sem fiar-se exclusivamente neles para fisgar a audiência. É um filme de terror que sabe se valer dos recursos e clichês do gênero e não se justificar neles. Trata-se de uma estruturação narrativa, embora intuitiva, relegada a obras sem grande visibilidade comercial. Nesse contexto, é um alento que uma sequência que pelos padrões de Hollywood não necessariamente precisaria ser tão refinada conceitualmente assuma o compromisso de sê-lo.
Uma nova franquia
Parker Finn está bem consciente do que pode alcançar com sua história e o potencial de ser uma espécie de “Premonição” (franquia de terror que durou cinco filmes na primeira década do século) mais gore. A maneira como aborda e discute a saúde mental, entretanto, reitera que a já estabelecida franquia é mais sofisticada do que a referência citada.
O desfecho do longa estabelece as bases para o terceiro e demonstra, mais uma vez, a ambição do cineasta – aqui evidenciada por uma cena megalomaníaca que dialoga com o body horror de uma maneira até então inédita na mitologia criada.
A maneira como Finn relaciona realidade e alucinações, na espiral vertiginosa de desgraça de Riley, é engenhosa e mantém a audiência duvidando de si – e do que vê – a todo tempo. A maneira como ele introjeta pistas para o público de que aquilo em cena talvez não seja real desponta como um dos grandes atrativos de um filme que, a despeito de escorregar na megalomania no ato final, é muito melhor do que se poderia imaginar.