Mesa saideira da Flip reúne Carla Madeira, Mariana Salomão Carrara e Silvana Tavano

Para temas que precisam de fervura para atingir o leitor, elas recomendam a boa literatura

Aline Viana

A Festa Literária de Paraty (FLIP) encerrou suas atividades com apenas uma mesa no domingo (13). Para evitar o clima de fim de festa, a curadoria de Ana Lima Cecílio escalou a best-seller Carla Madeira, de “Tudo é Rio” (editora Record), que já está na 10ª edição, Mariana Salomão Carrara (“Não fossem as sílabas do sábado”, editora Todavia) e Silvana Tavano (“Ressuscitar mamutes”, editora Autêntica Contemporânea) para promoverem uma animada saideira na mesa “invenção e linguagem – o romance segue”.

Para os leitores menos familiarizados com a Flip, em anos anteriores, o último dia, embora tivesse ritmo de despedida, ainda contava com umas três ou quatro palestras antes da mesa derradeira. Eram sempre palestras mais amenas, uma vez que parte do público já começava a tomar rumo de casa.

A mediação de Adriana Couto, apresentadora do programa Metrópoles ( TV Cultura) e do podcast “Mais Preta” (Rádio Nova Brasil e disponível em todos os tocadores) conduziu o papo de modo a equilibrar as três autoras, que mostraram entrosamento perfeito, conhecimento e admiração pelas obras uma das outras. Assim, embora Madeira tenha se mostrado bastante eloquente, as outras duas tiveram oportunidade de se mostrar autoras de obras igualmente potentes.

Ok, talvez agora, você leitor, deva estar imaginando uma conversa meio insossa de clube da Luluzinha ou da atual encarnação do “Saia Justa” (GNT) – felizmente, a “vibe” era completamente oposta. 

Em pauta apenas temas corriqueiros: de onde vem a inspiração, memória, o tempo, a maternidade, a morte e o luto, o que é ficção e o que é realidade, o fazer literário… é pouco ou quer mais?  

Mas, vamos aos livros. Tavano comentou que a fagulha de inspiração para o seu “Ressuscitar Mamutes” veio a partir de um documentário que seu marido lhe convidou a assistir durante a pandemia. “Fiquei muito intrigada, como assim ‘ressuscitar mamutes?’. Vários cientistas estão investindo em pesquisas genéticas para trazer grandes animais da megafauna, que irão conseguir pisotear o permafrost para impedir que os gases escapem e nos envenenem (…) A ideia veio muito forte para mim, de buscar no passado uma solução para o futuro. Isso foi me contaminando e eu fui escrevendo”. Na trama do livro, uma filha adulta repassa a relação que teve com a mãe, já falecida. O livro combina memória, ensaio e romance em uma obra híbrida e desafiadora.   

Carrara, ganhadora de 2023 do prêmio São Paulo de Literatura, destacou como a linguagem literária tem o poder de sensibilizar o leitor para questões nas quais, muitas vezes, o texto de não ficção falha. “Você vai ler um documento, uma tese, uma matéria sobre uma situação e é como colocar um sachê de chá em água fria – você vai sentir um pouquinho [o sabor e as propriedades do chá]. A literatura dá uma esquentada boa nesse chazinho”, comparou. 

Madeira aproveitou a levantada de bola de Carrara para cortar e marcar seu ponto: “O quanto você vai precisar de uma linguagem poética para contar uma história? Eu sinto que ‘Em tudo é rio’, que tem uma história extremamente violenta, é preciso de um pouco de linguagem poética para que a gente consiga olhar para aqueles acontecimentos (…) Ontem, vendo a mesa do Edouard Louis, ele disse que se tem uma certa situação que ele vive [e narra em sua obra], não é que o outro vai conseguir viver, mas que está posta a possibilidade de que ele consiga viver”. 

Quase ao final da mesa, o tema volta com uma pergunta da plateia para Madeira, que questiona se em “Em tudo é rio” não ocorre uma certa romantização da violência doméstica.  Agora, se o leitor ainda não tiver lido a obra, é hora de interromper a leitura dessa resenha pois teremos spoilers da trama. Diante do tema espinhoso, Madeira não se acanhou: “Perdão não é esquecimento, não é só dar um tapinha nas costas e falar que está tudo bem. Perdão é uma certa contabilidade entre memória e esquecimento. Você vai lembrar o suficiente para aquilo não se repetir. E esquecer o suficiente para não atualizar a dor. Talvez seja a única chance que a pessoa agredida tenha de sair das mãos do agressor. É uma camada que a Justiça não alcança porque, às vezes, não há pena suficiente. Não há possibilidade suficiente de restaurar uma agressão. Então, o perdão vai atuar numa camada muito importante para a vítima é que sair do domínio do ódio”. 

E tudo isso antes de um almoço de domingo, fim de FLIP. Conversa e literatura para nos fazer pensar e sentir por vários dias. Sobre violência doméstica, sobre Justiça, sobre o País. Como só a melhor literatura consegue fazer. 

O saldo da festa toda foi tão positivo, que a curadora Ana Lima Cecílio já está confirmada para a edição de 2025 – ainda em data a ser confirmada entre julho e outubro do próximo ano, a depender do volume e do ritmo que os patrocínios chegarem. 

Fim de FLIP também é hora de preparar tanto o calendário de leitura quanto o bolso: nesta semana, entre os dias 16 e 20, acontece a Feira de Frankfurt, principal evento do mercado livreiro, onde editores de todo o mundo compram e vendem direitos de publicação. E no mês que vem, o público paulistano ainda terá a 26ª Feira do Livro da USP, de 06 a 10 de novembro, oportunidade em que as editoras oferecem livros com os melhores descontos do ano.  

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