O ritmo acelerado das mudanças tecnológicas, climáticas e mesmo emocionais permeia a ficção e acolhe o leitor que também se pergunta “que show da Xuxa é esse?”
Aline Viana
A italiana Ilária Gaspari e a mineira Marcela Dantés encantaram o público da 22ª Festa Literária de Paraty, na mesa “a vida secreta das emoções”, neste início de tarde. No bate-papo elas dissecaram como o real as inquieta, provoca e gera obsessões que se tornam histórias potentes justamente por apostar e expor a vulnerabilidade de autores e personagens.
Logo de saída, Gaspari contou que seu primeiro livro partiu da dica do marido que lia uma obra sobre lendas urbanas e indicou uma que ele acreditava que poderia lhe servir de inspiração. Dito e feito. Pena é que o romance “La Reputazione”, ainda siga inédito no Brasil.
Dantés, por seu turno, conta que seu livro “Nem Sinal de Asas” (editora Patuá) surgiu a partir de uma matéria publicada no jornal El País escrita pela jornalista Silvia Pontevedra sobre a morte de uma mulher que só percebida quatro anos depois quando a companhia de energia elétrica não conseguiu mais debitar o pagamento da conta. À época, Dantés trabalhava em um outro romance, “João Maria Matilde” (editora Autêntica Contemporânea, 2022), que teve seu lugar roubado na fila do pão diante da urgência da autora por entender como ninguém havia dado falta daquela mulher por tanto tempo.
Fora da torre de marfim da escrita, Dantés defende que a escrita acaba sendo influenciada pelo mundo à volta do autor, o desconforto que ele provoca e todas as outras formas como ele o afeta. “Não cabem personagens que entendem das coisas porque o mundo, hoje, é incompreensível (…) Não dá para estar confortável, [daí surgem] personagens que saem do nosso registro convencional, pessoas com várias fragilidades, diagnósticos: tem esquizofrenia, tem depressão, tem alergia a camarão… eles têm camadas e isso é importante na vida deles. Propor um olhar mais gentil para as fragilidades ”, disse ela.
Formada em filosofia, Gaspari citou vários filósofos e levantou a questão da responsabilidade de quem lê de forma acrítica, acredita e logo compartilha fake news como um desses elementos da realidade que ela não consegue escapar na arte. O fantasma do ato derradeiro do candidato Pablo Marçal na reta final das eleições paulistanas imediatamente paira no ar. “Hoje com a facilidade de divulgação de notícias, de boatos, de fotos que podem ser modificadas temos uma responsabilidade que não refletimos. A partir do momento em que uma pessoa é exposta ou definida como alvo, acreditar naquilo que é dito é uma responsabilidade muito grande. Na Itália temos muitas notícias sobre jovens, principalmente mulheres, que têm suas vidas destruídas por bullying, calúnias e fofocas. As pessoas não sabem como se proteger”, comenta Gaspari.
Foi justamente essa preocupação combinada à tal lenda urbana que ainda não sabemos qual foi que tudo junto e misturado rendeu o romance “La Reputazione”, no qual temos a personagem Bárbara que passa a acreditar que uma pessoa que ela admira é uma criminosa ao ver uma notícia falsa. A trama toda se passa nos anos 1990 pois a autora calculou que certo distanciamento temporal das tecnologias e das polêmicas atuais permite que o leitor chegue desarmado dos preconceitos e vieses atuais.
Por hora, no Brasil o leitor poderá encontrar de Gaspari os livros “Lições de Felicidade” e “A Vida Secreta das Emoções”, ambos publicados pela editora Âyiné em versões impressa e digital.